#066 Escrever sobre videojogos, por Ulisses Domingues
"Independentemente de qual seja a pergunta correta (quiçá sejam várias?) é um desafio escrever sobre videojogos, mais ainda quando somos o país na Europa que, estatisticamente, menos lê."
[O Ulisses Domingues não é estranho a quem vagueia pelas redes sociais à procura de conversar sobre videojogos, principalmente se a conversa girar em torno de Monster Hunter ou Nier: Automata. Este autor escreve com uma vontade inigualável quando sente que tem a liberdade necessária para fazê-lo. Leiam a peça que escreveu para o Glitch Effect sobre Nier: Automata, que ele próprio destacou no texto que lhe pedi para esta edição da newsletter, é o resultado de um esforço incrível para criar um texto que nem imagino as horas que foram investidas na sua produção. Com algumas pausas nesta atividade, que é tecer comentário sobre videojogos, Ulisses voltava sempre com uma vontade em escrever mais e melhor, com um desejo de querer vingar nesta área, um desejo quase inalcançável para o comum humano que nasce neste país à beira mar plantado. Espero que um dia alcance os objetivos que determinou para si próprio, é difícil, mas não é impossível. Encontrem-no na nova rede social da Meta, o Threads, onde se encontra hiperativo. Leiam-no na Squared Potato, site português onde atualmente escreve.]
Será escrever sobre videojogos, particularmente para o público em Portugal, um frívolo e fútil exercício literário em decadência?
Antes de permitir a caneta fluir presto uma calorosa saudação ao Filipe, pela oportunidade de participar no seu boletim semanal, aos autores prévios, Francisco, Jorge, Ricardo e Tiago, cujos textos devorei como inspiração e, por último, ao leitor (tu). Obrigado. Adiante.
Ciente da ironia exposta pela questão acima, e com total certeza das palavras selecionadas, escolhi um âmbito de reflexão mais pequeno para direcionar a discussão frente ao papel da crítica cultural de videojogos na cultura portuguesa. Um papel que, não obstante a minha parcialidade como autor, julgo encontrar-se inexistente e privado de utilidade.
Para contexto, detenho um percurso largamente dominado pelas garras da tão amada análise tradicional de videojogos. Embora esta seja um galho minúsculo de um Baobá como é a Crítica Cultural do tema em questão, trilhar este caminho, ainda que amadoramente, guarneceu-me com lucidez em vários aspetos de game design, complementando-as com as minhas bases literárias. De qualquer modo, mesmo redigindo Catarse e NieR: Automata — Glória à Humanidade, orgulhoso do produto final, e apesar de possuir um gostinho por esta vertente, considero encontrar-me fora da minha praia.
Porém, antes que sejam atiçadas as forquilhas a este meu Frankenstein opinativo, encaixo este achismo num ângulo consumista e generalista. Por outras palavras, retirada a subjetividade da questão confronto, por agora, apenas a objetividade da atividade para este público em específico.
Clarificando, a subjetividade e objetividade respeitam comportamentos diferentes. Pinto subjetividade com pinceladas mais atraentes à alma e estado psicológico do autor; são exercícios redigidos com o intuito de expelir os traços inerentes à sua personalidade e com uma finalidade humilde. Objetividade, por outro lado, pincela-se com cores neutras, afastadas de qualquer laço emocional e preocupadas apenas com resultados superficiais e contraditórios à definição de Cultura, mas cobertas por um véu simplista e facilmente legível.
Por outras palavras, bonita e bem escrita é a peça de crítica cultural sobre videojogos, mas onde está o seu leitor?
Outrora, talvez a questão mais correta seja: existe em Portugal a cultura de criticar culturalmente os videojogos?
Independentemente de qual seja a pergunta correta (quiçá sejam várias?) é um desafio escrever sobre videojogos, mais ainda quando somos o país na Europa que, estatisticamente, menos lê. Apesar disso, segundo um artigo pelo Expresso em 2023, a tendência é positiva embora, segundo vários meios da comunicação social, os anos anteriores não foram assim tão simpáticos (vê aqui, aqui e aqui). Isto tudo, claro, refere os hábitos de leitura mais tradicionais (livros), com o tópico vigente correlacionado apenas por aproximação.
Torna-se mais desafiante quando, ao contrário de outros países, Portugal teimou (utilizo esta expressão com leviandade) em ser poliglota, em especial com o Inglês, língua em uso crescente, julgo, desde o advento da Internet. Até ao acesso desta ser mais banalizado, meios como as revistas MegaScore, BGamer e MaxiConsolas, ou noutra esfera os programas de televisão como Cybermaster e o mítico Templo dos Jogos eram as formas prediletas de consumo.
Porém, formas de consumo têm tendência a evoluir, e com as portas do mundo digital abertas, qualquer indivíduo, aptamente equipado com nível mínimo de Inglês, vê-se predisposto a consumir conteúdo estrangeiro com (aparentemente) maior qualidade e quantidade. Face a estes entraves, não é descabido presumir que o interesse por conteúdo proveniente de Portugal seja uma consideração a posteriori, com apenas uma mão cheia de entusiastas nas redes sociais a consumir as migalhas que sobram.
Ainda assim, existe uma indústria local ténue e inexperiente, porém curiosa e apaixonada. Esta, abordada por Tiago Sá recentemente, subsiste pela cobertura de notícias (maioritariamente réplicas do estrangeiro) e por análises aos videojogos, com pouco ou nenhum destaque à proposta crítica cultural suprarreferida. Noutra avenida como, por exemplo, os podcasts, estes teimam em utilizar o modelo das “conversas de café”. Realisticamente, parece que estamos todos na mesma escola, mas em anos e turmas diferentes.
Dito isso, quem por cá resiste não facilita. Talvez seja uma picuinhice minha, mas persiste uma insistência danada em vulgarizar a atividade escrita com resmas de anglicismos; seja nos corpos dos textos ou em títulos e nomes de projetos. Admito, também, parte do problema encontrar-se no léxico da língua Portuguesa, inflexível e apta a emprestadar termos alienígenas.
Logo, objetivamente, com tudo descrito até ao momento, aparenta não existir razão para pontapear esta temática em frente, ou sequer tentar forçá-la a existir. No entanto, parte de mim encontra conforto na falácia do eterno otimismo, aquele que profere “é sempre bom produzir conteúdo” , “a tua voz importa” ou “há sempre quem leia”.
Por outro lado, escrever sobre videojogos pode ser igualmente visto como uma reflexão da cultura contemporânea de uma forma geral, assim como uma válida forma de expressão artística. Afinal de contas, videojogos inseriram-se como parte integral do lazer e diversão para pessoas de várias idades e origens, algo que certamente justificará discussão e consideração em discurso literário.
No final do dia, apesar do aparente desafio à relevância da crítica cultural de videojogos em Portugal, ao navegar pelas águas tumultuosas da indagação inicial, emerge uma constatação mais profunda: a ausência de um contexto estabelecido para essa atividade. Isto, no entanto, não deverá ser visto como um obstáculo intransponível, mas sim como uma oportunidade genuína.
Não obstante a aparente escassez de leitores até à predominação do consumo de conteúdo estrangeiro, é imperativo utilizar dita oportunidade para não só não sucumbir ao pessimismo, mas também refletir sobre essas dificuldades e procurar um caminho a seguir.
Em primeiro lugar, é essencial desenvolver as habilidades de escrita, assim como a busca pela qualidade em cada produção. Isto atrairá não só mais leitores, mas também fortalecerá a credibilidade do meio. De seguida, fulcral será implementar estratégias para aumentar a visibilidade do trabalho realizado, ampliando o seu alcance e impacto da atividade. Por fim, resta fomentar a diversidade de vozes e perspetivas dentro deste campo, construindo uma comunidade enriquecedora e vibrante.
Não é fácil e está repleto de obstáculos, mas é na perseverança e colaboração que reside a chave para um futuro mais promissor da crítica cultural de videojogos em Portugal.
Leituras
É incrível, quando a Sony distribui códigos de análise, de certo com uma boa antecedência, nos dois ou três dias a seguir ao embargo, chovem análises e opiniões na nossa praça. É raro haver atrasos, até dos sites mais pequenos, depois do dia de lançamento do título em análise. Qual é o fenómeno desta semana, patrocinado pela Sony, pelos sites e blogues e, certamente, pelos ditos influencers? Stellar Blade. Fiquem com algumas análises que destaquei.
A beleza das mecânicas de Children of the Sun está mesmo na soma das partes e na forma como nos incentiva a ser inventivos e criativos na nossa abordagem a cada situação que aparece à nossa frente. - Gonçalo Martins sobre Children of the Sun, Meus Jogos
No que diz respeito ao desenho dos níveis, a forma como foram elaborados, faz com que se afastem significativamente das falhas já aqui apresentadas do jogo, visto que os cenários e sua construção, têm uma distribuição cuidadosa de itens pelo meio, e a maneira como o jogo procura manter o jogador envolvido, oferecendo sugestões nos momentos oportunos para encorajar decisões, como usar as habilidades especiais para derrotar inimigos ou recarregar a saúde, nos momentos certos. - Tiago Marafona sobre Teenage Mutant Ninja Turtles Arcade: Wrath of the Mutants, Squared Potato
Eve é inegavelmente atrativa, mas isto não tem qualquer reflexão no gameplay. Acresce que a sua feminilidade nem sequer é tida em conta ao longo do jogo: esta dimensão de Eve apenas existe na ótica dos jogadores e está completamente alheia do jogo, como se pura e simplesmente não fizesse parte deste mundo pós-apocalíptico. - Pedro Pestana sobre Stellar Blade, IGN Portugal
Um aspeto de notar desta jornada remasterizada é o ritmo do jogo, fortemente ditado pelos mecanismos ao estilo de novela visual e exploração point-and-click. Estes elementos deveriam, em teoria, complementar a profundidade narrativa, permitindo que o jogador absorva as nuances da história de forma pausada. No entanto, a interação física com o jogo — andar, mover a câmara e até interagir com objetos e personagens — muitas vezes torna-se num teste à paciência. Martina Silvestre sobre Another Code: Recollection, MoshBit Gaming
Há imensa variedade nos mundos, com imensos detalhes. Como é um jogo que motiva à rapidez, é fácil perdermos esses pormenores que se apreciam mais depois daquela primeira exploração desenfreada de cada área. Há que apreciar as diferentes obras de arte que o jogo nos proporciona com a calma que merecem. - Paulo Tavares sobre Freedom Planet 2, Future Behind
Mas, como a história geral é tão superficial, fica no ar a ideia que seria melhor que se apostasse mais na heroína, que apenas ser “uma rapariga bonita que dá porrada”. Enfim, acho que nestes dias a boa construção de personagens em jogo é algo raro, não é um problema só de Stellar Blade. - João Pinto sobre Stellar Blade, WASD
Tales of Kenzera: Zau é um jogo orientado – sente-se desde os primeiros minutos – para ser um labirinto de plataformas, mas infelizmente não tem a base nem sustento necessário para alcançar tal estatuto, pois desde o início o jogador tem acesso ao mapa dos espaços a explorar, com um grande indicador do destino assim que o mapa é aberto. - Tiago Marafona sobre Tales of Kenzera: Zau, Squared Potato
Se calhar é o efeito nostálgico a pesar em mim, mas existe uma atmosfera mágica em torno de Minishoot Adventures. - Jorge Loureiro sobre Minishoot Adventures, Geekinout
EVE é uma das protagonistas sexy mais vazias que controlei num videojogo. Foi desenhada exclusivamente para agradar ao olhar estereotipado masculino de objetificação feminina, enquanto se move, salta, ataca e desce escadas sempre de forma muito sensual e detalhada, apresentando-se com fatos reveladores que deixam pouco para a imaginação e igualmente desenhados com uma incrível dedicação para acentuar todas as suas curvas sinuosas. - David Fialho sobre Stellar Blade, Echo Boomer
Parece querer copiar jogos e coisas diferentes sem se tornar excelente em qualquer uma delas, tentando jogar pelo seguro sem nenhum risco. - Nuno Mendes sobre Stellar Blade, Meus Jogos
O giro é que embora seja um Souslike, Stellar Blade não se inibiu de tentar ser por vezes um jogo de plataformas, puzzles e até fez a dada altura, uma brincadeira engraçada onde o jogo quase parecia um Resident Evil, onde o cenário ficou muito ao estilo de um jogo de terror e a única arma passou a ser a arma à distância do drone. - Daniel Silvestre sobre Stellar Blade, PróximoNível
Cada elemento do design é pensado para complementar a narrativa e a jogabilidade. A arquitetura dos cenários, a disposição dos objetos, a paleta de cores utilizada – tudo contribui para criar uma atmosfera coesa e imersiva que nos guia pela história e nos conecta emocionalmente ao mundo do jogo. - Eduardo Rodrigues sobre Stellar Blade, Café Mais Geek
Para ouvir
Gosto bastante do podcast Friends Per Second, o que é normal dado que os apresentadores - Lucy James (GameSpot), Jake Baldino (Gameranx) e o youtuber SkillUp - já escrevem e fazem conteúdo audiovisual há muitos anos. Neste episódio em concreto falam da série do momento, Fallout, na Prime Video. Pessoalmente, a parte mais interessante é a entrevista a Abubakar Salim, diretor criativo de Tales of Kenzera: Zau.
Vejam isto
O algoritmo do YouTube tem funcionado bem comigo, felizmente. Desta vez encontrei um vídeo que fala sobre algo do qual sofro (eu e acredito que muitos jogadores que tenham um transtorno obsessivo-compulsivo em querer fazer tudo o que há num jogo). Tenho um pavor em perder conteúdo opcional porque este pode ser crucial para algo que me seja útil mais à frente na campanha, por exemplo num boss. Ainda hoje me lembro do erro que foi não ter encontrado os mísseis adicionais em Metroid Dread, o boss final foi um suplício para derrotá-lo.