#054 Escrever sobre videojogos, por Jorge Loureiro
"Escrever uma análise ou artigo sobre um jogo para depois ter 500 visualizações equivale a prejuízo e tempo perdido. Esta é a realidade de quem quer escrever profissionalmente sobre videojogos."
[A publicação online, especializada em videojogos, Eurogamer Portugal é uma das mais conhecidas da nossa praça. Quer gostem ou não do trabalho lá realizado, admito que não sou grande apreciador de algumas das suas abordagens, o que fazem ainda tem o seu grau de sucesso dado que ainda são dos poucos com uma redação de colaboradores remunerados. Apesar de não ter sido o maior leitor do site, ainda acompanhei alguns autores de perto. Aníbal Gonçalves, Vítor Alexandre e Jorge Loureiro eram a este grupo que estava mais atento quando publicavam artigos mais compostos como artigos, opiniões ou análises. Curiosamente, o Jorge Loureiro começou a escrever sobre videojogos em 2009, na Eurogamer Portugal, enquanto também eu começava a dar os meus primeiros passos nesta mesma aventura. Calculo que tenham sido experiências muito diferentes. Eu analisava e escrevia notícias e artigos num site criado por fãs, já o Jorge, além disto, também fazia entrevistas em vários pontos do mundo e a cobertura de eventos como a E3 e a gamescom. Dado o seu impressionante percurso profissional a escrever sobre videojogos, ao qual colocou recentemente uma pausa, seria interessante saber a sua opinião sobre o que é escrever sobre este meio cultural. Atualmente, é nas redes sociais que podem encontrar as suas opiniões sobre videojogos, mas só quando não está a mostrar o seu progresso na obtenção de um corpo invejável. Caso estão curiosos quanto à sua atividade nas redes sociais, podem seguir o Jorge Loureiro no Instagram ou no Twitter/X.]
Escrever sobre videojogos é tido como uma profissão de sonho entre os jovens. Afinal, quem é que não gostaria de ser pago para passar horas no seu hobby favorito? Parece uma coisa tirada daqueles anúncios duvidosos… como se fosse demasiado bom para ser verdade.
Compreendo perfeitamente o sentimento. Esse também foi o meu sonho. Sonho esse que se realizou em pleno. Durante cerca de 13 anos, escrevi profissionalmente sobre videojogos e fui riscando da lista tudo aquilo que imaginei durante a adolescência a folhear as revistas de jogos (quando ainda as havia em Portugal).
Visitei as feiras internacionais múltiplas vezes e delirei com a overdose sensorial. Experimentei jogos e consolas antes do lançamento, tive a oportunidade de entrevistar e conhecer pessoas que são ídolos, vi estúdios de videojogos por dentro, e no processo publiquei milhares de artigos, entre notícias, análises, entrevistas e mais.
Sinto que conheci as entranhas da indústria, e como em tudo, há coisas boas e más. No que diz respeito a escrever profissionalmente sobre videojogos, sinto que é importante sublinhar que nem tudo é um mar de rosas, sobretudo quando existe a necessidade vital de gerar receitas para pagar as contas.
Escrevo este texto num momento em que o jornalismo está a passar por uma crise em Portugal. A situação da Global Media é o primeiro sintoma visível de uma condição de perdura há algum tempo. Ser jornalista em Portugal, ou estar de alguma forma inserido no mundo da comunicação, é difícil economicamente.
No texto anterior de Videojogos: Boas Leituras, o Filipe (que amavelmente me convidou para escrever este texto) queixava-se que “Infelizmente, ainda só são os triple A que movem o interesse dos editores, por isso são mais escassos os textos que incidem sobre a crítica. Algo que é incompreensível quando foram lançados milhares de jogos em 2023 na Steam.”
A explicação para este fenómeno é simples. Embora possam existir múltiplos jogos interessantes para escrever sobre, jogos menos conhecidos não movem o interesse da audiência. Ter uma grande audiência é crucial para monetizar um site. Os jogos menos conhecidos não movem audiências, logo, é expectável que haja menos conteúdo sobre eles.
Não admira, por isso, que com o recente sucesso estrondoso de Palword, que os websites de videojogos estejam a fazer um sprint para produzir conteúdo sobre o jogo. Nada tem a ver com o facto do jogo ser bom ou não, tem a ver com a sua popularidade e capacidade de alcançar audiência com guias, vídeos de gameplay, e artigos a fazer comparação com as criaturas de Pokémon.
A gratuitidade associada aos websites de comunicação provoca esta busca incessante por conteúdo popular, por cliques, por partilhas. Escrever uma análise ou artigo sobre um jogo para depois ter 500 visualizações equivale a prejuízo e tempo perdido. Esta é a realidade de quem quer escrever profissionalmente sobre videojogos.
A falta de recursos, perante uma indústria de videojogos com cada vez mais conteúdo, é outro problema. Quando comecei a escrever no final de 2009, as preocupações eram menos. Escreviam-se notícias e análises, publicava-se no Facebook. O mundo andava mais devagar, a circulação de informação não era tão desenfreada.
Atualmente, há que produzir conteúdo para múltiplas redes sociais, o texto já não é suficiente na maioria das vezes, há mais jogos para analisar, há que se preocupar em otimizar os textos para SEO de forma a ir buscar mais audiência aos motores de busca. É como se fossemos um malabarista com cada vez mais bolas na mão.
Alguma coisa tem que mudar, porque o modelo atualmente é insustentável. Por isso estamos a assistir a cada vez mais websites a bloquear artigos por detrás de paywalls e a introduzir subscrições. A qualidade paga-se, e no jornalismo não é exceção. Para produzir peças que sejam mais do que repassar a informação de outros, é preciso tempo. Tempo para investigar, digerir e depois transformar isso em algo que valha a pena.
Escrever profissionalmente sobre videojogos também implica sacrifícios na vida pessoal. Há que jogar nas horas livres para publicar uma análise a tempo do embargo. É ficar acordado de madrugada para cobrir um evento que está a acontecer do outro lado do mundo. Ou fazer viagens extremamente cansativas de ir e vir no mesmo dia a uma capital europeia em que te levantas de madrugada e chegas a casa na madrugada do dia seguinte.
Não pretendo assustar ninguém, nem tão pouco ser pessimista. Mas esta é a realidade, ou pelo menos, foi a minha realidade. Se queres escrever sobre videojogos e fazer carreira, não basta sentares-te no sofá, jogar e depois escrever um texto. Atualmente, as preocupações e dificuldades vão muito além disso.
Voltaria a fazer tudo novo? Absolutamente, mas com tudo o que aprendi, faria alguns ajustes. O meu percurso fez de mim quem sou hoje. Continuo a adorar videojogos. Continuo a adorar comunicar com as pessoas e a ajudá-las de alguma forma. Apesar de tudo, acho que continua a valer a pena fazer parte da indústria. Cada um de nós tem a responsabilidade de tentar melhorá-la.
Se chegaste até aqui, a minha mensagem é esta:
Contraria a negatividade e toxicidade, em vez disso contribui com estímulos positivos.
Deixa uma mensagem / comentário a apoiar os teus autores / criadores favoritos.
Fala e partilha conteúdo daquele jogo menos conhecido.
Se visitas um website todos os dias para ver informação, desativa o adblock. Não deites abaixo, foca-te em fazer críticas construtivas.
E acima de tudo, tenta ter compreensão. Nem sempre tudo é o que parece.
Leituras
Um bom conjunto de textos onde nos falam dos jogos mais notáveis desta época. Já não vale a pena dizer que os indies continuam a ser os desgraçados que são sempre ignorados. Notável de ser destacado é a análise à Steam Deck OLED (adorava ter uma), por David Fialho, assim como o artigo onde Francisco Isaac coloca as frustrações que sentiu com os bosses de Lies of P.
Experimentar a Steam Deck OLED foi como reencontrar a alegria e o entusiasmo que tive há dois anos quando a original foi lançada. Pois não só estive perante uma versão aperfeiçoada da máquina da Valve, onde quase todos os seus defeitos foram tratados, como foi também uma oportunidade de reavaliar a experiência inicial ou fazer uma breve retrospetiva desse período no que toca ao suporte que tanto a Valve e a produtoras deram a esta máquina e, por extensão, a este conceito de Consola Portátil de Jogos para PC. - "Steam Deck OLED: A Steam Deck aperfeiçoada" por David Fialho, Echo Boomer
Porém, sem dúvida que o mais lúdico foi juntar o combate à exploração com o Grappling Hook, uma das ferramentas prontamente disponíveis desde o começo com um nível de utilidade estupidamente versátil. Rapidamente aprendi os seus meandros e em pouco tempo lançava-me pelos céus como os protagonistas de Shingeki no Kyojin. - Ulisses Domingues sobre The Bloodline (Early Access), Squared Potato
A adição do modo roguelike No Return injeta dinamismo, proporcionando uma experiência nova e emocionante. Este modo não só diversifica a jogabilidade, como também acrescenta uma capacidade de reprodução significativa, demonstrando o empenho da Naughty Dog em manter a experiência cativante para os seus jogadores. - André Silva sobre The Last of Us Part II Remastered, Portugal Gamers
Faço uma advertência para algum do calão que usarei porque este jogo fez-me sentir… coisas, e por vezes nada, mas nada positivas. Tive momentos em que senti que o meu P era um marionete-divina, intocável e inquebrável, como sofri doses de porrada consecutivas e em que questionava se era melhor colocar o boneco numa caixa qualquer, bem fechado e longe dos olhos de todos. - "Lies Of P: Um Ranking Bicudo Dos Bosses" por Francisco Isaac, Rubber Chicken
É fácil divertirmo-nos a jogar THE FINALS, difícil é entrar num "lobby" para o fazer. Os problemas de conexão são demasiados frequentes, o que num jogo deste tipo é quase um pecado capital. - Gonçalo Martins sobre The Finals, Meus Jogos
Afinal, quando alguém consegue enfiar uma Switch no bolso das calças, só pode mesmo ser ficção… Uma comparação mais tola seria se também tivéssemos um jogo do Clube das Chaves ou de Uma Aventura. E até que precisamos de jogos assim: descontraídos e reconfortantes. - André Pereira sobre Another Code: Recollection, Echo Boomer
Um dos maiores prazeres de Infinite Wealth é constatar que o sistema de combate introduzido com Like a Dragon foi refinado. Muito do atrito que senti com algumas mecânicas e especificidades foi removido e dei por mim a pensar que esta é a versão que a Ryu Ga Gotoku queria alcançar na primeira tentativa, mas sem um ponto de partida não conseguia propriamente chegar à qualidade desejada. - Bruno Galvão sobre Like a Dragon: Infinite Wealth, Eurogamer Portugal
Para ouvir
Uma interessante conversa com um dos melhores repórteres que passou na Kotaku. Por acaso, é um podcast que se insere bem no tema de hoje visto que Stephen Totilo reflete o que é ser atualmente jornalista de videojogos. Curiosamente, deixo a sua newsletter Axios para iniciar uma nova aqui no Substack.
Vejam isto
Este é um dos grandes problemas do futuro digital dos videojogos. Se um jogo tiver licenças a expirar, este terá de ser removido de onde estiver a ser vendido. Felizmente, MArk Brown, utilizou o seu canal Game Maker’s Toolkit para nos falar deste grande jogo que é Spec Ops: The Line.