#121 Death Stranding 2: On the Beach — uma análise às análises
Sobre embargos, atenção mediática e o espaço que sobra para o resto.
Mais um jogo publicado pela Sony.
Mais um embargo respeitado ao segundo.
Mais uma avalanche de análises, primeiras impressões e vídeos, todos lançados num intervalo milimetricamente controlado, para garantir que só se fala de uma coisa: Death Stranding 2: On the Beach.
O jogo pode muito bem ser o melhor de sempre — não sei. Nem sequer vou ter oportunidade de o experimentar, porque não tenho a máquina da Sony. Mas durante algum tempo tive acesso a uma PlayStation 4, emprestada pelo meu irmão. E embora nunca tenha analisado um dos grandes lançamentos da consola, observei de perto como funcionava o marketing da casa do Walkman: uma máquina afinada para capturar atenção, e transformar essa atenção em vendas.
Há uma estratégia clara: ocupar o tempo. Mais do que o espaço nos meios, a Sony ocupa o tempo mediático, concentrando toda a atenção num jogo em momentos muito específicos. Esses momentos não nascem organicamente — são produzidos. E o embargo é o seu mecanismo central.
Os embargos não servem apenas para impedir fugas de informação. Servem, sobretudo, para garantir que o impacto da cobertura atinja o seu pico no momento exato em que é mais útil para a editora. E se possível, que o impacto se mantenha durante dias, criando a ilusão de ubiquidade: o jogo está em todo o lado — e por isso deve ser importante.
Do lado de fora, este tipo de operação pode parecer uma vassalagem à Sony. Mas a verdade é mais ambígua. Os meios que recebem acesso antecipado não estão necessariamente a fazer publicidade disfarçada. Estão a cumprir condições. E essas condições, ainda que sejam aceites voluntariamente, têm um custo: alinhar com um ritmo que não é definido pelos jornalistas ou críticos, mas por quem tem algo para vender.
A Microsoft raramente aplica esta fórmula. A Nintendo tenta, mas com menor eficácia — e com um alcance muito mais limitado. No caso da Sony, a diferença está na escala e na consistência. Existe um ecossistema montado. Meios com acesso garantido. Público pronto para consumir. Visibilidade orquestrada.
E é aí que o problema se torna mais evidente.
Quando todos os holofotes estão virados para o mesmo jogo, no mesmo momento, o que se apaga não é só a concorrência. Apagam-se os jogos independentes que estreiam na mesma semana. Apagam-se as análises feitas fora do prazo. Apagam-se as vozes que tentam pensar de forma mais demorada, mais livre, mais distante.
É o tempo que é engolido. O tempo da leitura. O tempo da reflexão. O tempo de fazer perguntas em vez de correr para cumprir o alinhamento.
Este texto não é um ajuste de contas. Nem é uma acusação directa. É uma tentativa de pôr em palavras aquilo que, para quem está de fora, se torna cada vez mais evidente: o espaço mediático está a encolher. E a crítica, se continuar a seguir tão de perto os calendários das editoras, arrisca-se a tornar-se redundante — ou, no limite, irrelevante.
Não escrevo isto por ter ficado de fora. Já me habituei a estar de fora. Escrevo porque continuo a acreditar que a crítica devia servir os leitores e a cultura, não apenas os interesses de quem distribui códigos e define datas. E porque me custa ver como o ruído — mesmo quando vem de textos honestos — tende a abafar tudo o resto.
Os jogos independentes não deixaram de existir. Mas são afogados.
As análises não deixaram de ser feitas com empenho. Mas tornaram-se previsíveis.
E o pensamento crítico, quando não se adapta à lógica da máquina, é empurrado para as margens.
Death Stranding 2: On the Beach pode ser tudo aquilo que dizem que é. Mas neste momento, o que me interessa é o ruído à volta. E o silêncio que ele impõe a tudo o resto.
Nota de autor
Este texto não pretende ser uma denúncia nem uma proposta de solução. É uma observação crítica escrita a partir de fora — por alguém que não tem acesso a embargos, nem à máquina de visibilidade que os acompanha, mas que acompanha com atenção os seus efeitos.
Não questiono a integridade dos jornalistas ou críticos que trabalham dentro desses prazos. Acredito que muitos escrevem com liberdade e consciência. Mas a liberdade individual não elimina os condicionamentos estruturais.
Quando dezenas de análises são publicadas ao mesmo tempo, com o mesmo foco e num espaço mediático limitado, o resultado é inevitável: repetição, sobreposição, e um apagamento do que fica fora do ciclo. Mesmo que ninguém dite o que deve ser escrito, o próprio formato impõe um ritmo, uma linguagem, uma urgência. E isso, com o tempo, afeta o tipo de crítica que se faz — ou que se deixa de fazer.
Sou talvez o único que recomenda textos escritos por outros. Foi esse o propósito original desta newsletter. Não alinho por datas, alinho por ideias. Escrevo este texto não por me sentir excluído, mas porque observo o que acontece quando a crítica se torna previsível. Quando, ao alinhar com o calendário da promoção, se arrisca a perder a distância necessária para pensar.
Escrevo este texto não por ressentimento. Já houve um tempo em que me sentia excluído — hoje não sinto absolutamente nada. Ou talvez essa frustração inicial tenha criado uma casca que me protege, mas que não me impede de continuar a ver o que está à minha volta. Se escrevo, é porque ainda acredito que vale a pena pensar sobre o que se faz, sobre como se escreve, e sobre o que se apaga quando só se olha para o que brilha mais alto.
Leituras
Partilho convosco, semanalmente, o que de melhor li, sem outra ambição que não seja a de recomendar bons textos a quem, como eu, procura boas palavras. Esta semana é dedicada à nova obra de Hideo Kojima.
Análises a Death Stranding 2: On the Beach - espelhos onde os autores, nos seus textos, mostram a verdade das experiências pelas quais passam.
“Hideo Kojima pode ter finalmente compreendido que a genialidade da sua visão não precisa de ser embrulhada em camadas de impenetrabilidade para ser apreciada.”, Francisco Silva - IGN Portugal
“Hideo Kojima é o criador de Metal Gear Solid e a influência da sua antiga saga nota-se.”, Jorge Loureiro - Geekinout.pt
“Um jogo que, apesar de todas as suas merecidas virtudes e momentos extremamente altos e absolutamente fantásticos, também se sente como uma sequela demasiado segura para aquilo que se espera de um jogo de Hideo Kojima.”, David Fialho - Echo Boomer
“Em Death Stranding 2: On the Beach, tal como no primeiro jogo, o mais importante é a viagem e não o destino, e essa viagem é agora mais divertida, variada e sem perder o mistério que por vezes acontece nas sequelas.”, Ricardo Silvestre - ZWAME
“E sim, Kojima sendo Kojima tem de contar essa história da forma mais elaborada e metafórica possível, mas a verdade é que o mundo é um lugar melhor por ter artistas como Hideo Kojima. Artistas que se expressam livremente, sem barreiras nem tabus, e que partilham connosco o seu talento e o seu gosto por contar histórias.”, Henrique Adão - Meus Jogos
“É um trabalho de amor que nos faz pensar em diversos temas da nossa sociedade atual.”, Élio Salsinha - Salão de Jogos
“Esta é a magia de Kojima, e era mais dessa magia que eu queria quando comecei a jogar Death Stranding 2.”, Nicole Concha - MoshBit Gaming
Artigos sobre Death Stranding 2: On the Beach – mapas que orientam o pensamento, onde cada ideia procura abrir caminho para novas formas de ver os videojogos.
“Para tudo há uma aplicação, menos para algo que nos conecte verdadeiramente.”, Filipe Branco - Café Mais Geek
Para ouvir
No maravilhoso mundo dos podcasts, o que não faltam são episódios a falar da obra de Kojima. É tão fácil recomendar este episódio onde Jason Schreier, Kirk Hamilton e Maddy Myers falam sobre Death Stranding 2: On the Beach com a eloquência que o jogo exige.
Vejam isto
Encontrar opiniões bem fundamentadas no YouTube é mais difícil. Sei precisamente quais os canais que criam melhor conteúdo, mas às vezes, há outros que me surpreendem, 6al como este que vos deixo.
Gostei muito desta reflexão mas, tendo em conta o texto principal, tinha sido mais interessante que nas recomendações fugisses ao Death Stranding e recomendasses precisamente textos sobre jogos indie.
Primeiro, desculpa não ter respondido mais cedo. Sim, devia ter fugido mas assim, reforço o que é só ver conteúdo sobre o mesmo jogo em todos os meios - é cansativo. Obrigado 9eko teu comentário.