#112 Artesanato da Diversão, NAIAD
O fluir da autenticidade no processo criativo, uma entrevista a Elwin Gorman
Durante muito tempo, a imagem que se vendia dos videojogos era a de mundos fantásticos construídos por equipas gigantescas, onde cada detalhe era milimetricamente desenhado para agradar a milhões. Mas de vez em quando, como um riacho que brota discretamente num vale esquecido, surge algo que escapa a essa lógica - algo mais pessoal, mais instintivo, mais humano. NAIAD, do estúdio espanhol HiWarp, é um desses casos. E Elwin Gorman, o seu criador, não é apenas mais um nome nos créditos: é, muito literalmente, o espírito do próprio jogo.
Tal como muitos que se cruzaram com NAIAD, cheguei a este jogo por acaso, mais concretamente, no Reddit. Talvez tenha sido o tom visual, talvez a música, talvez o ritmo quase meditativo que rompe com a voracidade dominante na indústria. Porém, percebi rapidamente que havia ali mais do que estética: havia alma. Não demorou muito até me dar conta de que precisava de perceber quem era esta pessoa por detrás de um jogo tão... calmo. Tão silenciosamente emotivo.
Elwin respondeu-me com um cuidado que já se adivinhava no próprio jogo: sem pressas, com espaço para pensar, e com uma honestidade desarmante. Não havia respostas genéricas nem promessas de marketing. Apenas a voz de alguém que, tendo vindo do mundo da ilustração, decidiu aprender a fazer videojogos para poder dizer aquilo que só se pode dizer com um.
“NAIAD é uma reflexão de todo o amor que tenho para dar. Só queria partilhar o melhor de mim”, diz-me Elwin, quando lhe pergunto sobre a génese de NAIAD. E estas duas frases, ditas com a simplicidade de quem não quer impressionar, expressam um sentimento genuíno de quem quer oferecer algo de significativo e pessoal. Nota-se que este autor espanhol é autêntico, sem aspirações forçadas, que teve uma jornada profissional livre de ambições calculadas - teve uma necessidade de expressar algo sincero. Uma espécie de urgência interior. “Foi uma jornada incrível - de autodescoberta, superação de medos e abraçar a alegria de criar algo verdadeiramente pessoal.”
No universo frenético dos videojogos dominado pela adrenalina e competição, surge NAIAD. Esta criação de um único produtor independente convida-nos a seguir o curso de um rio através dos olhos de uma pequena ninfa das águas. “A inspiração para NAIAD veio do meu amor pela natureza e do meu desejo de criar algo que fosse, ao mesmo tempo, imersivo e relaxante”, revela o criador. “Quis criar uma experiência onde os jogadores pudessem explorar ao seu próprio ritmo, sem pressão - apenas por pura curiosidade e descoberta.”
Esta abordagem contraria deliberadamente os padrões da indústria. Não há pontuações, cronómetros ou adversários a derrotar - apenas a jornada. Cada curva do rio traz novas paisagens e pequenas descobertas, permitindo que os jogadores absorvam a beleza do ambiente ao seu próprio ritmo.
Há também uma mensagem subliminar mais profunda. “Também quis transmitir subtilmente uma mensagem sobre a nossa relação com o meio ambiente, razão pela qual a personagem principal representa o rio e a própria natureza”, explica o produtor espanhol.
Foi este o ponto de partida para a conversa que se segue - uma das mais sentidas que tive até hoje. E, espero, que esta leitura esteja à altura de um jogo que ousa ser ternurento. Que ousa ser afável. Que, no meio do ruído, escolhe o silêncio.
O Nascimento do Rio
“Olá! Sou o Elwin, o produtor a solo por trás da HiWarp.” Foi assim, com uma simplicidade desarmante, que começou a nossa conversa. Por detrás desta apresentação modesta está um criador que transformou um sonho de infância numa das experiências mais singulares da cena indie dos últimos anos.
Elwin sempre foi um apaixonado pelas artes em geral - design, programação, música, narrativa - que acabou por encontrar nos videojogos o meio perfeito para fundir todas estas disciplinas. “Desde criança que sonhava criar o meu próprio jogo, mas durante muito tempo pareceu-me algo inatingível”, confessa. Foi apenas quando descobriu o movimento indie que percebeu que era possível, mesmo para um desenvolvedor solitário, dar vida a uma visão pessoal.
Esta filosofia de vida levou-o a descobrir algo que os japoneses chamam de ikigai - a razão de ser. “Percebi que tinha chegado naturalmente à minha, combinando as minhas paixões, habilidades e o desejo de criar algo significativo para os outros.” Foi então que decidiu dedicar-se completamente ao desenvolvimento de videojogos.
O caminho não foi linear. Durante os cinco anos de desenvolvimento de NAIAD, Elwin enfrentou desafios pessoais e profissionais significativos. A pandemia global de COVID-19 foi particularmente difícil, especialmente quando estava sozinho. Perdeu pessoas importantes e viu relacionamentos terminarem. Porém, também houve mudanças positivas: passou de viver sozinho a partilhar casa com uma nova companheira e um cão, que se tornaram o seu maior apoio. Fundou também uma empresa, na qual tem um sócio que o ajuda com o lado comercial da HiWarp - “algo completamente novo para mim e uma aventura épica”, confessa.
“Antes de tudo isto, tinha muitas inseguranças, ansiedade e medos. Preocupava-me demasiado com o que os outros pensavam, temia não ser suficiente, e tudo isso bloqueava-me de dar até os passos mais simples, também quando se tratava de criar e partilhar o meu trabalho”, revela com honestidade. “Lutava para terminar projetos, saltando sempre de uma coisa para outra.”
Hoje, Elwin sorri ao afirmar que melhorou muito. Aprendeu a gerir melhor as suas emoções e medos, a enfrentar desafios e bloqueios criativos. “Aprendi a trabalhar com alguma fluidez, a improvisar, a deixar de lado todos esses obstáculos pessoais e simplesmente permitir-me dar o meu melhor.”
E assim, gota a gota, foi nascendo este rio chamado NAIAD - não apenas como um jogo, mas como um reflexo da sua própria evolução enquanto criador.
As Águas que Precedem o Rio
Antes de NAIAD ganhar forma, outro projeto fluía na mente de Elwin: PiAwk. Um jogo que, ironicamente, ao ser colocado em pausa, acabou por desbloquear o caminho para a criação da pequena ninfa aquática que é a NAIAD que agora conhecemos.
“Antes de iniciar o desenvolvimento de NAIAD, estava a trabalhar noutro projeto que foi suspenso: PiAwk”, revela Elwin. Este primeiro desenvolvimento, que promete retomar em breve, marcou verdadeiramente um ponto de viragem na sua vida.
“Foi quando decidi arquivar quase uma dúzia de projetos de diferentes áreas para me focar totalmente, pela primeira vez, numa única coisa”, confessa. “Foi quando escolhi parar de lutar para encontrar colaboradores, financiamento e recursos que não tinha e, em vez disso, propus-me a criar algo usando as competências que já dominava, simplificando e encontrando o meu próprio caminho.”
PiAwk assinalou o início da sua jornada como produtor de jogos, explorando e aprendendo ao longo do processo. A liberdade criativa para experimentar acabou por se tornar avassaladora, à medida que o projeto crescia significativamente em termos de alcance e mecânicas. Nesse momento, Elwin decidiu fazer uma pausa e, naturalmente, surgiu a ideia de iniciar um segundo projeto, com um âmbito mais definido, mais adequado ao que poderia alcançar naquele momento com a sua experiência.
“De certa forma, senti que para terminar PiAwk, primeiro teria de enfrentar e completar NAIAD”, explica com uma franqueza surpreendente. “Neste sentido, existe uma ligação muito próxima e íntima entre os dois projetos. Embora possam parecer jogos muito diferentes - cor versus preto e branco, animação procedimental/orgânica baseada em oscilações versus animações por sprites, perspetiva lateral versus vista de cima - partilham uma essência reconhecível. Afinal, foram ambos criados pela mesma pessoa, impulsionados pelo mesmo desejo de expressão artística.”
Há algo de profundamente poético nesta relação entre os dois jogos. PiAwk conta a história de uma estranha criatura semelhante a um pássaro que perdeu as suas memórias e se encontra presa num mundo devastado, minimalista, mas belo. Um jogo onde a própria personagem é um puzzle a resolver, com muitas interações que lhe conferem emoções, conflitos e vida. O facto deste projeto ter sido “abandonado” durante vários anos pelo seu criador tornou-se parte da sua própria história e mitologia.
“Tal como PiAwk não poderia ser completado antes de NAIAD, NAIAD não teria sido possível sem PiAwk. Ambos fazem parte de algo maior”, reflete Elwin.
Esta dinâmica entre os dois projetos revela algo crucial sobre o processo criativo: nem sempre segue uma linha reta. Por vezes, é preciso dar um passo atrás para avançar dois. Às vezes, uma ideia precisa hibernar para que outra possa florescer.
“NAIAD precisava de tempo, não apenas para desenvolvimento, mas também para maturação, como um bom vinho, ou como uma árvore que requer paciência antes que os seus frutos possam florescer e amadurecer”, partilha o criador espanhol.
O caso de Elwin exemplifica um fenómeno recorrente no desenvolvimento humano: aquilo que inicialmente aparenta ser um desvio de percurso acaba por constituir, na análise final, o próprio caminho necessário para o destino pretendido. O que aparenta ser um projeto adiado pode ser o catalisador para uma criação ainda mais profunda. No mundo artístico de Elwin Gorman, nada se perde - transforma-se, adapta-se, e eventualmente, encontra o seu curso natural.
O Fluxo e a Dança: A Linguagem de NAIAD
“PiAwk nasceu de um ponto mais introspetivo, quase melancólico; é uma história sobre liberdade, sobre descobrir a própria identidade, num mundo vasto, desolado e misterioso”, explica Elwin, refletindo sobre a dualidade dos seus projetos. “NAIAD, por outro lado, é mais fluido, intuitivo e caloroso; celebra a conexão, o fluxo e a harmonia com a natureza.”
Estas duas obras representam, nas palavras do criador, “diferentes facetas de mim, quase como dois lados da mesma moeda”. É fascinante perceber como um único artista consegue canalizar aspetos tão distintos da sua personalidade em dois projetos que se entrelaçam num diálogo contínuo.
“Quando comecei a trabalhar em PiAwk, não sabia se alguma vez teria outra oportunidade de criar um videojogo, por isso acabei por despejar todas as minhas ideias num único recipiente”, recorda. “Agora que NAIAD está completo, consigo ver muito mais claramente o que o PiAwk deveria ser.”
Esta interligação entre projetos, através do tempo, criou uma espécie de conversa entre diferentes versões do artista. “Penso nisto como uma espécie de cápsula do tempo, uma oportunidade de viajar ao passado e ouvir o que o meu eu de 2017 me diria, e vice-versa, procurando uma reconciliação entre tudo isto.”
Mas é na forma como NAIAD foi concebido que mais se percebe a profundidade do pensamento de Elwin. Para ele, um videojogo não é apenas um produto, é uma obra com uma linguagem própria.
“Desde o início, o movimento da naiad (a ninfa) foi um dos aspetos mais importantes. Em vez de o tratar simplesmente como uma forma de viajar de um lugar para outro, queria que nos desse uma sensação de prazer, satisfação e recompensa por si só", sublinha. É nesta filosofia que encontramos a essência mais pura do jogo: a valorização da jornada sobre o destino, do processo sobre o resultado.
Elwin abordou o movimento como uma “dança” .” Fascina-me a ideia de dar ao jogador a capacidade de se expressar através de cada pequeno gesto ou impulso”, explica com entusiasmo. “Por exemplo, fazer curvas suaves, serpentear entre flores e folhas flutuantes, mergulhar e nadar um pouco mais rápido, deixando para trás um rasto de bolhas finas enquanto a água se distorce ligeiramente.”
Esta atenção quase obsessiva aos detalhes estende-se a cada aspeto da personagem principal. “O corpo inteiro da naiad curva-se suavemente ao mudar de direção, e a velocidade de todos estes pequenos gestos e voltas varia dependendo das diferentes ações do jogador. O objetivo era dar personalidade e vida à personagem.”
Até mesmo os elementos aparentemente decorativos carregam simbolismo. “O cabelo, algo que poderia ser puramente estético, desempenha um papel especial em transmitir leveza e aumentar a imersão no elemento água”, explica Elwin. “Conceptualmente, é interessante notar que o cabelo também é composto por linhas fluidas e ondulações, tal como a água que corre pelo próprio rio.”
Este cuidado com os detalhes revela uma preocupação rara na indústria: a de criar espaços para a contemplação. “Também queria que o jogador desfrutasse simplesmente de parar”, confessa. “Para isso, trabalhei na forma como a personagem reage ao movimento, animada proceduralmente para que possa adaptar-se subtilmente às mudanças de direção, velocidade ou estado.”
É neste equilíbrio entre ação e contemplação que NAIAD encontra a sua voz única. “O maior desafio foi equilibrar esse sentido de contemplação mantendo a experiência envolvente e dinâmica”, reconhece Elwin. “Um jogo demasiado passivo poderia tornar-se monótono, mas adicionar demasiados objetivos ou restrições poderia perturbar a sensação de fluxo.”
A solução encontrada foi desenhar tudo para que a própria curiosidade do jogador definisse o ritmo, alternando oportunidades para momentos de calma com pequenas surpresas e descobertas. “Permitindo que se sintam recompensados sem pressão”, resume.
Ao contrário da maioria dos jogos que pressionam os jogadores para a linha de chegada, NAIAD preocupa-se com o percurso. “Garantir que a jornada rio abaixo não se transformasse numa corrida para o fim foi um desafio por si só” , admite o criador.
Esta filosofia de design reflete uma visão mais ampla sobre a própria vida, onde o significado não está apenas no destino, mas em cada momento da viagem. No mundo acelerado em que vivemos, talvez seja precisamente esta a mensagem mais revolucionária de NAIAD: a coragem de abrandar, de observar, de sentir.
Quando o Rio Encontra o Mar: A Receção de NAIAD
“Durante a segunda metade do desenvolvimento de NAIAD, estive particularmente focado num processo contínuo de iteração em busca daquele equilíbrio”, revela Elwin, enquanto me explica como o jogo foi ganhando forma na sua fase final. Uma das decisões mais cruciais foi redesenhar os níveis, fator determinante para ajustar o ritmo e a experiência global do jogo.
Desde o início, Elwin abordou o projeto como um quadro em branco na qual foi gradualmente adicionando detalhes, concentrando-se em cada secção sem perder de vista a perspectiva geral. “Tinha uma ideia clara e geral de como o rio seria estruturado, dividido em secções fixas (capítulos) que seguiriam uma progressão narrativa através de diferentes locais-chave”, explica. “Esta estrutura e o mapa do rio foram das primeiras coisas que desenhei, em apenas algumas semanas, e permaneceram inalterados até ao fim.”
À medida que o desenvolvimento avançava, foi adicionando gradualmente novas camadas de interação e construindo uma paleta de elementos e mecânicas que serviram como ferramentas para refinar a experiência de jogo. “Foi incrivelmente gratificante para mim descobrir as conexões entre todas as diferentes partes do jogo, os seus episódios, elementos, história e puzzles”, confessa com um entusiasmo palpável. “No final do desenvolvimento, comecei a sentir que tudo estava a encaixar-se, como ver um desenho ganhar vida quando os traços finais completam a imagem.”
A nível espacial, trabalhou estendendo ou reduzindo certas áreas, adicionando pequenos lagos secundários e refinando a forma dos níveis. “Algumas secções são riachos estreitos ou canais que encorajam o movimento fluido, que depois conduzem a lagos, por vezes pequenos, por vezes maiores, onde a exploração abranda, criando uma experiência mais meditativa”, detalha. Nestas áreas, os jogadores podem resolver pequenos puzzles ou simplesmente desfrutar da ausência de fronteiras, admirando a paisagem.
Simultaneamente, num sentido mais interativo, distribuiu e interligou cuidadosamente uma variedade de elementos: animais, nenúfares, rochas e obstáculos, portões e mais características que adicionam variedade e pequenas atividades. “Uma das camadas que implementei mais tarde no desenvolvimento foram os humanos, que integrei com diferentes comportamentos e circunstâncias”, recorda. “Alguns humanos que encontramos estão a trabalhar nas suas tarefas, enquanto outros estão simplesmente a passear.”
Os animais que os jogadores podem encontrar estão divididos em três grupos distintos: os que estão na água, os que estão em terra e os que voam ou descansam em locais elevados como ramos de árvores, beirais de edifícios ou postes. “Este é outro exemplo de como trabalhei para distribuir e equilibrar a exploração ao longo do jogo, oferecendo diferentes profundidades para o jogador se focar”, explica.
Enquanto criava um jogo tão pessoal de forma intuitiva e experimental, Elwin sempre teve curiosidade em partilhá-lo com o mundo e ver se o público iria gostar, se iria compreender e quais seriam as suas reações e interpretações após jogá-lo. É neste momento que a nossa conversa se torna ainda mais emotiva.
“Enquanto ainda estou ansiosamente à espera que mais pessoas descubram o jogo, já recebi muitos comentários que me entusiasmaram e surpreenderam”, partilha com uma humildade genuína. “Algumas pessoas enviaram-me e-mails durante o desenvolvimento para expressar o seu apoio e admiração pelo meu trabalho, o que foi uma grande fonte de motivação que aprecio profundamente.”
Os jogadores têm escrito palavras muito bonitas sobre NAIAD, dando a Elwin uma nova perspetiva sobre o que criou. “Alguns escreveram comentários onde expressaram os seus sentimentos de uma forma muito poética e emocional”, conta com um sorriso. “Certos jogadores descrevem NAIAD como algo curativo, terapêutico, espiritual... É algo muito inspirador e reconfortante.” Uma das coisas que mais o emocionou foi saber que alguns jogadores choraram no final.
Desde o lançamento, tem estado particularmente atento a todo o feedback que tem recolhido, de modo a aplicar patches rápidos com o objetivo de melhorar a experiência para todos os jogadores. “Fiquei realmente surpreso ao ver que alguns jogadores completaram 100% do jogo”, admite com espanto. “Isto é verdadeiramente impressionante, considerando que incluí muitos segredos e áreas escondidas que não são fáceis de encontrar.”
A comunidade tem partilhado algumas interpretações muito interessantes da história profunda por trás de NAIAD e apreciado todos os detalhes do jogo. “Propus-me a criar um jogo sem pensar em vendas ou em ter sucesso, sem seguir tendências ou tentar obter boas críticas da imprensa”, afirma com convicção. “Concentrei-me unicamente em criar algo que viesse do meu coração, desfrutando do processo e, mais importante, colocando o melhor de mim nele.”
O retorno tem sido o maior prémio para o seu trabalho. “Recebi palavras de gratidão por criar uma experiência tão única e maravilhosa. E todas estas belas palavras que continuo a receber são, para mim, a maior recompensa que poderia alguma vez ter e o que mais valorizo. Guardarei isto para sempre.”
Há algo de profundamente comovente na forma como NAIAD acabou por se tornar um espelho não apenas do seu criador, mas também daqueles que o experienciam. Como se o rio digital que Elwin desenhou tivesse finalmente chegado ao seu destino: os corações dos jogadores. E nesse encontro entre o rio e o mar - entre o criador e o público - surge uma nova forma de comunicação, mais intuitiva, mais emocional, mais humana.
Talvez seja esta a verdadeira revolução silenciosa de NAIAD: não apenas oferecer uma alternativa ao paradigma dominante dos videojogos, mas propor uma nova forma de pensar sobre o meio como um todo. Um lembrete de que os jogos, na sua essência mais pura, podem ser pontes entre pessoas, entre sentimentos, entre mundos interiores.
O Caminho de um Criador: Reflexões Além do Desenvolvimento
A Jornada Continua
No panorama da criação de jogos independentes, raramente temos acesso às reflexões mais íntimas dos criadores após o lançamento das suas obras. A honestidade com que Elwin partilha a sua experiência revela-nos uma maturidade que ultrapassa a simples produção técnica, começa a entrar no domínio do crescimento pessoal e artístico.
O processo criativo de NAIAD não terminou com o seu lançamento. Pelo contrário, transformou-se numa nova fase, igualmente desafiante: a de saber gerir o feedback, as expectativas e as críticas, sem perder de vista a própria identidade enquanto criador.
“Esta é a melhor versão do jogo que eu poderia fazer neste momento” - esta frase, que Elwin repetia a si próprio quase diariamente, contém uma profunda lição de aceitação e humildade que qualquer criador deveria interiorizar. Não se trata de conformismo, mas sim de uma honesta avaliação das próprias capacidades num determinado momento da vida.
Entre o Perfeccionismo e a Realidade
O perfeccionismo, esse companheiro constante dos criativos, surge frequentemente como um obstáculo disfarçado de virtude. É natural compararmos o nosso trabalho com outras obras que admiramos, esquecendo-nos das diferenças fundamentais de contexto: equipas maiores, orçamentos superiores, anos de experiência acumulada.
Quando Elwin confessa que ainda consegue surpreender-se ao jogar NAIAD, especialmente com algum distanciamento temporal, revela uma capacidade preciosa: a de conseguir apreciar genuinamente o próprio trabalho. Esta capacidade não é trivial nem deve ser confundida com narcisismo. É, antes, o reconhecimento saudável de que, apesar das inevitáveis imperfeições, há valor real no que foi criado.
A Arte de Receber Feedback
O diálogo com a comunidade de jogadores representa um capítulo particularmente interessante na jornada pós-lançamento. A criação de um formulário específico para recolher sugestões demonstra uma abertura ao feedback que é, simultaneamente, humilde e pragmática.
Contudo, Elwin demonstra uma sabedoria crucial quando afirma a necessidade de “manter os pés no chão” e “extrair do feedback aquilo que realmente ajuda a crescer”. Nem todas as sugestões, por mais bem-intencionadas que sejam, estão alinhadas com a visão original do jogo ou são exequíveis dentro das limitações existentes.
Esta capacidade de filtrar o feedback, preservando a essência da visão artística sem cair no isolamento, é possivelmente uma das maiores conquistas de maturidade para qualquer criador.
Para Além das Críticas
Particularmente reveladora é a forma como Elwin aborda as críticas menos favoráveis. Ao invés de adoptar uma postura defensiva ou de questionar a legitimidade dos críticos, reconhece simplesmente a possibilidade de existirem diferentes públicos e diferentes formas de percepcionar a experiência que criou.
“E estou bem com isso. A sério.” - esta simples afirmação encerra uma profunda lição sobre o desapego necessário para sobreviver emocionalmente no mundo da criação artística. Compreender que nenhuma obra, por mais brilhante que seja, agradará universalmente, é libertar-se de uma expectativa impossível.
A Importância da Partilha
O encerramento da entrevista com o encorajamento à partilha - “Partilhem tudo! Com o mundo!”-reflecte uma generosidade que é, simultaneamente, um manifesto contra o isolamento criativo e uma celebração da diversidade de perspectivas.
Quando Elwin menciona que “muitas pessoas (incluindo eu) estão cansadas de ver os mesmos jogos ou jogos muito semelhantes repetidamente”, está a fazer um apelo à originalidade que é também um reconhecimento da necessidade de vozes distintas no panorama dos videojogos.
O Legado Contínuo
NAIAD não é apenas um produto finalizado, mas um capítulo numa jornada criativa em evolução. A menção ao próximo projecto, PiAwk, e à sensação de que ambos os jogos “partilham algo muito especial, como se fizessem parte de algo muito maior que ainda está a tomar forma”, sugere uma continuidade artística que transcende os projectos individuais.
Esta perspectiva de evolução contínua, aliada à humildade de quem reconhece estar ainda em processo de aprendizagem, oferece um vislumbre refrescante sobre o que significa verdadeiramente ser um criador independente de videojogos na actualidade.
Num mundo frequentemente dominado por métricas comerciais e tendências efémeras, a voz sincera de Elwin lembra-nos que a criação de jogos pode e deve ser, acima de tudo, uma forma de expressão pessoal autêntica e significativa.
Informações adicionais de NAIAD:
Steam | Nintendo | PlayStation | Xbox | Site Oficial | Bluesky
Leituras
Partilho convosco, semanalmente, o que de melhor li, sem outra ambição que não seja a de recomendar bons textos a quem, como eu, procura boas palavras.
Análises - espelhos onde os autores, nos seus textos, mostram a verdade das suas experiências.
Xenoblade Chronicles X: Definitive Edition, Gonçalo Carvalho - Rubber Chicken
Fatal Fury: City of the Wolves, Rui Gonçalves - Salão de Jogos
Days Gone: Remastered, Henrique Adão - Meus Jogos
Mother Machine, Ricardo Correia - Rubber Chicken
Xenoblade Chronicles X: Definitive Edition, Carlos Silva - GameForces
Days Gone: Remastered, David Fialho - Echo Boomer
Para ouvir
Num podcast que já me conquistou, um episódio que me toca pessoalmente pelo tema que aborda.
Vejam isto
Há vídeos que não precisam de descrição de tão bons que são. Vejam, fiquem descansados é sobre videojogos.
Que artigo interessante! Isto faz tanto sentido, de tantas formas! Obrigado.