#098 Artesanato da Diversão, Mind Over Magnet
Uma entrevista a Mark Brown, autor do canal de YouTube Game Maker's Toolkit e de um recente jogo publicado na loja da Valve.
Como muitos de vós sabem, sou um admirador confesso do canal de YouTube Game Maker's Toolkit. Por isso, foi com enorme surpresa – ainda que este seja um desejo comum entre aqueles que passam a vida a escrever sobre videojogos – que, em Setembro de 2021, descobri que Mark Brown, o criador do canal, se iria aventurar na criação de um videojogo. Uma coisa é escrever, analisar e comentar videojogos; outra, completamente diferente, é criar um.
Acompanhei com entusiasmo os dezanove trabalhos audiovisuais que documentaram esta jornada ao longo de três anos. Para mim, foram muito mais do que apenas entretenimento ou aprendizagem – foram uma fonte de inspiração. Como alguém que também alimenta o sonho de, um dia, criar o seu próprio jogo, vi em Mark Brown um exemplo de dedicação e perseverança. Quem sabe se, ao acompanhar o processo dele, não encontraria eu a motivação extra para embarcar num projeto semelhante (se um dia tiver as condições para tal), para enfrentar as dificuldades e os desafios que são parte integrante de criar um videojogo sozinho.
Quando soube que Mark tinha lançado Mind Over Magnet, parecia-me quase impossível conseguir entrevistá-lo. Afinal, estamos a falar do criador de um dos canais mais respeitados do YouTube sobre design de videojogos, com mais de um milhão e meio de subscritores, portanto é fácil imaginar a quantidade de pedidos que recebe para entrevistas e colaborações. Ainda assim, decidi arriscar e enviei um e-mail com o meu pedido. Para minha surpresa – e enorme alegria – Mark Brown aceitou.
Nos parágrafos que se seguem, partilho convosco o resultado desta conversa cativante, onde exploramos não só o processo criativo por detrás de Mind Over Magnet, mas também as lições, os desafios e as reflexões que marcaram esta incrível jornada.
Mind Over Magnet: A Aventura de Mark Brown
Mark Brown é conhecido principalmente pelo seu canal no YouTube Game Maker’s Toolkit (GMTK), o seu aclamado canal que explora a arte e a ciência do design dos videojogos. Com mais de um milhão de subscritores, Brown passou anos a dissecar o que torna os jogos únicos. No entanto, após inúmeros vídeos a analisar o meio, decidiu sair da sua zona de conforto e aventurar-se no desenvolvimento deste tipo de entretenimento. O resultado foi Mind Over Magnet, um puzzle plataformer, com quebra-cabeças em, torno do poder de atração físico dos ímanes, que levou três anos a ser criado.
Este jogo de estreia é tanto um testemunho da criatividade de Brown como da sua perseverança. Através dos altos e baixos do desenvolvimento a solo, ele documentou cada etapa na série Developing no YouTube, oferecendo aos fãs uma visão sem filtros sobre o que é necessário para transformar uma ideia num produto acabado.
De Jornalista a Designer de Jogos
Antes de se tornar uma sensação no YouTube, Brown começou a sua carreira como jornalista de videojogos, onde foi colaborador com publicações como Pocket Gamer, Wired e Eurogamer. No entanto, mesmo enquanto aperfeiçoava o seu ofício como escritor, percebeu que a indústria estava a mudar para o vídeo. “Ficou claro que o YouTube estava a tornar-se a forma dominante para falar sobre jogos, então decidi que precisava de aprender a fazer vídeos”, disse-me Brown.
Depois de inúmeros episódios no Game Maker’s Toolkit, so longo de sete anos, Brown decidiu arriscar na produção de jogos. “Há um limite para o que se pode aprender sobre design de jogos apenas com teoria e análise - é preciso experimentar por nós próprios”, comentou. O que começou como uma experiência tornou-se rapidamente num projeto a sério. Ao partilhar a sua jornada online, esperava não só aprender sobre o desenvolvimento de jogos, mas também inspirar outros a explorar o meio na perspetiva de alguém que os faz.
O resultado desta empreitada ambiciosa foi um puzzle de plataformas curto e focado, que desafia os jogadores com mecânicas com ímanes inovadoras. Brown é sincero sobre o seu futuro: “Talvez este seja o início de um novo lado do Game Maker’s Toolkit. Ou talvez um jogo seja suficiente. Vamos ver…"
A Jornada Solitária do Desenvolvimento de um Primeiro Jogo
Desenvolver Mind Over Magnet como criador independente trouxe desafios significativos, especialmente ao nível do planeamento e da produção. “Fui ingénuo ao ponto de presumir que, se continuasse a trabalhar no jogo, ele transformar-se-ia naturalmente num produto completo”, admitiu Brown. No entanto, só quando criou um plano propriamente dito é que as peças começaram a encaixar-se.
A produção foi outro obstáculo. Equilibrar o desenvolvimento do jogo com o trabalho no YouTube revelou-se difícil, tal como manter uma agenda que conseguisse cumprir. Embora os aspetos técnicos, como corrigir bugs e tomar decisões de design, fossem possíveis de gerir, o esforço necessário para transformar tudo num jogo coeso e acabado foi um grande desafio.
“Tenho um respeito enorme pelos heróis desconhecidos do desenvolvimento de jogos: os produtores.”, refletiu Brown. O papel deles, muitas vezes ignorado pelos jogadores, tornou-se vital para a sua compreensão do que é necessário para concluir um jogo.
Marketing com uma Larga Audiência Já Incluída
Para muitos produtores independentes, o marketing pode ser um fator decisivo para atingir o sucesso. Brown, no entanto, teve a sorte de contar com a vasta audiência do seu canal do YouTube a seu favor, que conta com mais de um milhão e meio de subscritores, como já o referi. “Com mais de um milhão de subscritores no YouTube, senti-me confiante de que promover o jogo para essa audiência seria suficiente”, explicou. E estava certo: o jogo vendeu bem no lançamento e até garantiu um lugar de destaque na página inicial do Steam.
Ainda assim, Brown acredita que poderia ter feito mais. “Fiz alguma divulgação para a imprensa, mas muito mais tarde. No final, poderia ter tido melhores resultados se tivesse alcançado mais pessoas fora da minha audiência, partilhando o jogo com quem gosta de puzzles e plataformas.” Embora o público que consegue alcançar graças ao seu trabalho no GMTK tenha fornecido uma base sólida, Mark Brown frisou a importância de expandir a visibilidade para novos públicos.
As Mecânicas magnéticas de Mind Over Magnet
A inspiração para Mind Over Magnet veio de uma fonte inesperada: The Legend of Zelda: Oracle of Seasons. Em particular, o item magnetic glove fascinou Brown. “Achei que esta mecânica podia ser expandida para criar um emocionante jogo de plataformas rápido, semelhante a Celeste ou Super Meat Boy”, disse-me.
No entanto, o jogo evoluiu significativamente durante o desenvolvimento. Numa fase inicial, o foco estava num personagem metálico magnético, mas uma mudança crucial introduziu um protagonista que manipula grandes ímanes em forma de ferradura. Esta alteração, juntamente com a decisão de dividir o personagem em dois, transformou o projeto de um jogo só de plataformas num jogo que também inclui puzzles.
“Fazer puzzles é fácil, mas fazer bons puzzles, que nos satisfazem e que se interpretam bem, é realmente difícil”, confessou Brown. Passou horas incontáveis a trabalhar diferentes versões dos designs dos níveis, descartando ideias que não atingiam os seus padrões de qualidade. Na verdade, o jogo final inclui apenas cerca de metade do que ele originalmente criou.
A abordagem de Brown ao design de puzzles teve como prioridades a variedade e a simplicidade. “Nunca passas demasiado tempo com um único puzzle, mecânica, personagem ou mundo”, explicou. Esta filosofia garantiu que os jogadores estivessem constantemente envolvidos e motivados a explorar o que vinha a seguir.
O Papel dos Testes e Resolução de Problemas para aprimorar a experiência
Os testes, os denominados playtests na gíria dos videojogos, foram cruciais para moldar Mind Over Magnet. O feedback dos jogadores ajudou não só a refinar a dificuldade do jogo, mas também a identificar áreas onde os jogadores tinham dificuldades que Brown não previa. “Havia puzzles que achava incrivelmente simples — mal eram puzzles — e, no entanto, os jogadores tinham enormes dificuldades em terminá-los”, expôs Brown no seu comentário. Estes momentos levaram-no a ajustar o processo de aprendizagem do jogo, adicionando níveis tutoriais para comunicar melhor as mecânicas principais.
Um dos seus maiores orgulhos é o sistema de dicas do jogo, que oferece pequenos detalhes que levam is jogadores a progredir com naturalidade, depois de terem ficado presos numa secção do jogo. “Dá aos jogadores aquele momento de satisfação ‘aha!’, e, se ainda assim não conseguirem resolver, podem simplesmente passar para o próximo nível”, clarificou o criador do jogo.
Lições de quase uma década a criar vídeos para o YouTube
O trabalho de Brown no Game Maker's Toolkit influenciou claramente a sua abordagem no seu jogo Mind Over Magnet. Anos a dissecar minuciosamente jogos deram-lhe boas bases sobre design de puzzles, controlos de personagens e muito mais. Contudo, o processo de desenvolvimento também revelou lacunas no seu conhecimento. “Nunca tinha apreciado totalmente a importância de coisas como prototipagem, testes e produção”, admitiu. Estas lições inspiraram novos temas para o GMTK, ampliando o foco do canal para incluir aspetos frequentemente ignorados da criação de jogos.
Um Olhar para o Futuro
Enquanto Mind Over Magnet encontra o seu lugar nas mãos dos jogadores, Brown já reflete sobre o que faria de forma diferente. “Gostava de ter adicionado mais níveis bónus ou desafios extra para quem queria mais complexidade”, revelou. No entanto, as restrições de tempo obrigaram-no dar prioridade à experiência principal.
Para aspirantes a produtores de videojogos, Brown deixa este conselho: “Evitem saltar para a produção demasiado rápido. Dêem tempo suficiente para explorar a ideia através de protótipos e sessões de teste antes de começarem a escrever o código final. E descubram o público-alvo do vosso jogo - uma vez determinado, as outras decisões tornam-se mais fáceis.”
Se decidir criar outro jogo ou não, Mind Over Magnet é um testemunho da criatividade, resiliência e dedicação de Brown a compreender o design de jogos nos seus diferentes ângulos. Como ele próprio diz: “Talvez este seja o início de um novo lado do Game Maker’s Toolkit. Ou talvez um jogo seja suficiente. Vamos ver…”
Informações adicionais de Mind Over Magnet:
Steam | itch.io
Leituras
Dizem que três foi a conta que Deus fez, se foi então aqui reuno três muito boas análises da nossa praça.
Dá imenso gosto em vasculhar cada recanto. Os quebra-cabeças são quase todos bem desenhados e, mal conseguimos decifrá-los, representa uma libertação de dopamina no nosso corpo (acompanhada sempre ao som da banda sonora a condizer). - João Pardal sobre Indiana Jones and the Great Circle, Squared Potato
Por outro lado, as similaridades com The Legend of Zelda acabam sendo uma faca de dois gumes (ou dois legumes, como diz o outro). Enquanto que os puzzles têm o interesse do desafio e da pedagogia, o combate é bastante insípido, com o principal problema a residir na lentidão e na falta de fluidez dos ataques. - Ricardo Correia sobre Glitch Hero, Rubber Chicken
Após 27 horas de jogo e completamente investido na história de Johan, senti que a conclusão foi apressada. Não conseguiu igualar a profundidade emocional ou o desenvolvimento que marcou o resto do jogo. Dito isto, entendo os desafios enfrentados por equipas indie — orçamentos pequenos, prazos apertados e inúmeros obstáculos nos bastidores. Apesar das suas imperfeições, Beloved Rapture transborda paixão por parte dos seus criadores, e isso é algo verdadeiramente especial. - Pedro Almeida sobre Beloved Rapture, Meus Jogos
Para ouvir
Fica aqui um complemento áudio à entrevista hoje publicada. Uma boa conversa com Mark Brown e os autores do podcast da Second Wind.
Vejam isto
Frankensama regressa à publicação de trabalhos audiovisuais no YouTube. Desta vez, o tema é Need for Speed Heat e, como é apanágio deste autor, a análise é bem aprofundada e detalhada.