#096 Game Boy, o meu professor
Uma máquina para jogar foi, no fundo, uma ferramenta para aprender.
Jogar videojogos é a atividade lúdica que mais prazer me proporciona, apesar de ser também aquela que exige mais tempo e dedicação da minha parte para alcançar a satisfação que procuro. Inspirado pela publicação de João Lameira, autor de “Diga-se de Passagem” também no Substack, decidi refletir sobre o esforço que os videojogos, muitas vezes, nos pedem para podermos realmente aproveitar tudo o que têm para nos oferecer. Um exemplo marcante e pessoal é Pokémon Blue (uma história que já devo ter partilhado por aqui), como tantos outros RPG, que me ensinaram, inesperadamente, lições de Inglês - que o programa curricular do ensino básico, do primeiro e segundo ciclo, foram incapazes de me ensinar, nomeadamente, no domínio do vocabulário. Por isso, lá ia eu com um calhamaço que era o meu dicionário preto Oxford de Inglês-Português e Português-Inglês sempre que ia passar mais umas horas com Pokémon em tons esverdeados.
Lembro-me bem de quando comecei a jogar títulos RPG como Pokémon, no meu Game Boy transparente (que adorava poder voltar a tê-lo nas minhas mãos). Na altura, o meu conhecimento de inglês era limitado ao que aprendia na escola, que, por melhor que fosse, não me preparava para a riqueza e complexidade do vocabulário usado nestes jogos. No entanto, o desejo de entender a história, de saber o que as personagens diziam e de descobrir como progredir no jogo, levou-me a procurar aprender mais. Palavras que inicialmente não faziam sentido começaram a ganhar significado através do contexto e da repetição. Por exemplo, se tinha uma árvore para cortar como é que saberia que está era para cortá-la com a ajuda de uma criatura, à qual devia ter previamente ensinado o HM Cut? Olhando para trás, percebo que estes jogos tiveram um impacto profundo na minha aprendizagem de línguas, muito além do que qualquer aula tradicional pudesse oferecer - a culpa não é dos professores, tive alguns excelentes, mas é o método de ensino que está desadequado. Contudo, o que era impossível fazer na minha profunda timidez que tinha na altura, pergunto-me hoje como é que seria que um professor de línguas iria reagir se lhe pedisse ajuda para me traduzir algumas secções o jogo. Fica assim a minha dúvida que nunca será respondida.
Os jogos RPG ensinaram-me mais do que vocabulário. Ensinaram-me paciência, estratégia e a importância de explorar cada detalhe. Recordo-me de passar horas a tentar compreender como funcionavam os tipos de Pokémon, as vantagens e desvantagens em combate, e como montar a equipa perfeita. Era um processo de tentativa e erro que, embora frustrante por vezes, acabava por me recompensar com um sentido de realização único. Não se tratava apenas de "jogar" - era aprender, planear e superar desafios. Era e continua a ser uma satisfação que nenhum outro tipo de forma de entretenimento me proporciona.
Outro aspeto interessante é como estes jogos incentivam a empatia e a compreensão das várias perspetivas das diferentes personagens. Nas obras RPG, somos frequentemente convidados a mergulhar em mundos com uma riqueza de conteúdo inigualável, com narrativas profundas e personagens que enfrentam dilemas éticos ou emocionais. Isso faz com que questionemos as nossas próprias escolhas, tanto dentro como fora do jogo. Pessoalmente, tento ser sempre bondoso e justo perante as decisões que tomo, mas os jogos mais interessantes são os que nos pedem para tomar decisões difíceis, aquelas moralmente cinzentas, quando não há uma certeza daquilo que é bom ou mau.
Hoje, enquanto escrevo estas palavras, percebo como esses momentos moldaram não só a forma como vejo os videojogos, mas também a forma como enfrento os desafios do meu quotidiano. Os jogos RPG no geral, e Pokémon em particular, não eram apenas entretenimento - eram uma forma de crescimento pessoal, de aprendizagem e de autodescoberta.
Talvez seja por isso que, tantos anos depois, ainda encontro nos videojogos uma fonte de prazer inigualável. Eles não são apenas uma fuga da realidade, mas também uma ferramenta poderosa para explorar mundos, ideias e até mesmo partes de nós mesmos que desconhecíamos. E, tal como na infância, continuam a ensinar-me coisas novas a cada aventura.
Leituras
Com o ano editorial a arrancar calmamente, vemos que continuam a haver artigos muito interessantes se procurarmos bem.
Há algo de extremamente relaxante depois de um longo dia de trabalho, por os miúdos a dormir de ir trabalhar para uma quinta virtual. A mecânica de semear um campo, preparar todos os elementos, trocar de máquinas faz com que o tempo passe e sejamos completamente engolidos pela calma que é estar 2 horas a plantar trigo em vários campos. - Pedro Vieira sobre Farming Simulator 25, IGN Portugal
O mais irritante da praga de anúncios a jogos para telemóvel é que raramente bate a bota com a perdigota. Nesse ponto até agradeço serem de instalação gratuita, pois o que acabo por fazer é instalá-los e removê-los praticamente de seguida. Mob Control foi-se mantendo o meu jogo diário há quase duas semanas, pelo que já merece umas palavras. - Gonçalo Carvalho sobre Mob Control, Rubber Chicken
Nada está a mais, nada está a menos; se este guião, com todos os maneirismos e detalhes, fosse utilizado como a base para uma longa-metragem, esta discretamente e resolutamente posicionar-se-ia lado a lado com as melhores produções da personagem. Ainda assim, The Great Circle não seria tão arrebatador se fosse espremido num filme de 90 minutos: sem o formato de videojogo, a aventura não disporia de uma margem tão confortável para os seus mistérios e personagens respirarem e singrarem, e perderíamos a oportunidade de vivenciar esta epopeia frenética com este nível de envolvência direta. - Tiago Sá sobre Indiana Jones and the Great Circle, GameForces
Para todos os que jogaram os clássicos Donkey Kong Country e Crash Bandicoot, Nikoderiko será como voltar para casa, com mecânicas que funcionam exactamente como já vimos, mas que muitas vezes demonstram uma ausência de riscos em termos de design. E aqueles que procuram alguma inovação significativa podem sentir falta de elementos que transcendam a mera homenagem e introduzam algo verdadeiramente novo para além da alternância de perspectivas. - Ricardo Correia sobre Nikoderiko: The Magical World, Rubber Chicken
A escolha de uma estética de Game Boy não é ao acaso. Naturalmente, é uma decisão artística, mas que também vem apejada de limitações técnicas: para terem uma ideia, os cartuchos têm uma capacidade máxima de 8Mb, literalmente um grão de areia quando comparado ao tamanho dos jogos modernos. - “Alentejo: Tinto's Law - Do Alentejo Sem Lei para o Game Boy” por Pedro Pestana, IGN Portugal
Para ouvir
Ultimamente, tem havido uma propagação bastante uniforme do jogo português, produzido pela Loading Studios e com uma mão da Teknamic Software Alentejo: Tinto's Law - um jogo produzido em 2024 para a Game Boy. Contudo, o problema é que são poucas as casas de publicação de artigos sobre videojogos que se deram ao trabalho de falar com os produtores e fazer um artigo mais interessante de investigação ou uma simples entrevista. O Café Mais Geek, felizmente, aproveitou o seu espaço “Indie Corner” no seu acervo de programas áudio e falou com Vasco Oliveira e Filipe Veiga sobre este curioso jogo que tem a particularidade de ser um jogo para Game Boy e que está também disponível em cartucho para inserirem na vossa antiga consola.
Vejam isto
Aparentemente, o jornalismo sobre videojogos ainda tem muito para crescer - não estou à espera que ninguém ganhe um Pulitzer, mas pode-se fazer mais e melhor na área da investigação. Felizmente, o canal People Make Games destaca-se neste campo e pública um trabalho notável que passou ao lado de muita gente que tem meios para cobrir este tipo de informações. Vejam que vale a pena.
Sendo eu da geração do ZX Spectrum (o meu 1º "amor"), não tenho qualquer problema em reconhecer que a linha do Game Boy é um ícone com um apelo nostálgico muito maior que o Speccy em Portugal! Ainda hoje jogo no meu GBA... Agora com as ferramentas de desenvolvimento, como o GBStudio, que simplica e torna mais acessíveis os recursos da máquina, até se podem fazer jogos, tal como acontecia com o ZX Spectrum e os bedroom coders nos 80s. :)
Obrigado pelo comentário, Filipe. Tenho de ver se falo com o teu amigo Vasco, estou muito em saber mais e partilhar sobre Alentejo: Tinto's Law. 😁