#095 Artesanato da Diversão, Neon Blood
Uma entrevista à ChaoticBrain Studios, sobre a sua recente obra, conduzida ao longo de vários meses.
Após oito meses de trabalho, esta entrevista finalmente vê a luz do dia. Não foi um processo simples, mas a realidade de um produtor de videojogos independente raramente o é. Entre responder a perguntas e promover o seu trabalho, há um jogo para desenvolver – e esse trabalho não se faz sozinho, por geração espontânea. A equipa madrilena, composta por apenas três pessoas, - Alejandro Chipelo (Game Director), Roi Iturregui (Lead Pixel Artist) e, com quem tive o prazer de trocar e-mails, Daniel Pérez (Lead Narrative and Design) - acredito que estaria possivelmente concentrada numa fase crucial da produção, o que atrasou as respostas. Mas isso não foi um problema.
Poderia ter seguido para outro projeto, mas decidi manter o compromisso, pois tinha a convicção que esta história merecia ser contada. Se não fosse pelo resultado final, com palavras em abundância para contar uma boa narrativa, teria certamente algo de valor para aprender, para as minhas futuras entrevistas. Agora, espero que esta peça faça justiça ao esforço coletivo da ChaoticBrain Studios que se reflete no jogo, Neon Blood – e nesta história.
Construir Neon Blood: O Sonho Caótico da ChaoticBrain Studio
A história da ChaoticBrain Studios é uma narrativa que envolve amizade, paixão e um sonho partilhado que transformou o caos em criatividade. Tudo começou com Alejandro e Daniel, dois estudantes unidos pelo amor aos videojogos e pela visão de criar algo extraordinário.
“A ChaoticBrain Studios começou apenas com nós os dois,” relembra Daniel Pérez, o designer narrativo do estúdio madrileno. “Conhecemo-nos durante os estudos, tornámo-nos grandes amigos, e decidimos trabalhar juntos no projeto final de curso. Esse projeto foi Neon Blood.”
A decisão de criar um videojogo não era apenas sobre concluir os estudos; era uma declaração de ambição para entrar na indústria que admiravam. “Queríamos dedicar-nos ao mundo dos videojogos,” explica Daniel. “Criar algo que pessoas do outro lado do mundo pudessem desfrutar.”
O nome do estúdio nasceu de uma brincadeira que reconhecia o turbilhão em que as suas vidas se tinham tornado. “Era um caos,” recorda Daniel. “As nossas mentes estavam sobrecarregadas com ideias, e o nome ‘ChaoticBrain’ tornou-se uma piada que ficou.”
Depois de concluir o projeto, Alejandro e Daniel decidiram perseguir o sonho de forma profissional. Neon Blood tornou-se o seu projeto de paixão, e a ChaoticBrain Studio foi oficialmente fundada. Contudo, a equipa parecia incompleta, até que se juntaram ao programa PlayStation Talents, onde conheceram Roi, um talentoso artista 2D que se tornou o terceiro membro da equipa.
Um Ponto de Viragem: PlayStation Talents
Entrar no programa PlayStation Talents foi uma experiência transformadora para a ChaoticBrain Studio. Para a jovem equipa, marcou a transição de estudantes para profissionais da indústria.
“Quando entrámos no [programa] PlayStation Talents, foi como um sonho tornado realidade,” partilha Daniel. “Foi o primeiro passo real para tornar o nosso sonho em algo concreto. O programa apresentou-nos pessoas incríveis que nos guiaram através das partes mais difíceis do desenvolvimento, ensinando-nos habilidades que nem sabíamos que precisávamos.”
A mentoria que receberam não só melhorou as suas competências técnicas, como também reformulou a abordagem ao desenvolvimento de jogos. “Aprendemos a focar a nossa paixão,” explica Daniel. “Sendo uma equipa pequena, tivemos com que cada pequeno esforço contasse, e o PlayStation Talents ajudou-nos a dar prioridade e a agilizar o nosso processo.”
Foi através do PlayStation Talents que a equipa conheceu a Meridiem Games, a sua editora, que ajudou a elevar Neon Blood a novos patamares. “Trabalhar com a Meridiem aumentou o nível de exigência e qualidade do nosso jogo,” diz Daniel. “Desafiou-nos a entregar algo de que nos pudéssemos verdadeiramente orgulhar.”
Ultrapassar os Desafios: As Lições de Neon Blood
A jornada para criar Neon Blood foi tão desafiante quanto recompensadora. Para a ChaoticBrain Studios, o maior obstáculo foi gerir a escala do jogo — uma luta comum nos estúdios indie.
“A escala está diretamente ligada à experiência,” admite Daniel. “Como uma equipa pequena de três pessoas, tivemos de ser estratégicos com os nossos recursos. O PlayStation Talents e a Meridiem ajudaram-nos a criar um processo de produção consistente, garantindo que permanecêssemos dentro dos nossos limites sem comprometer a essência de Neon Blood.”
Outro desafio foi dominar a produção em si. “Saímos da escola com uma compreensão básica da produção de jogos, mas o desenvolvimento na vida real é uma história completamente diferente,” diz-me o lead narrative designer de Neon Blood. “Tivemos de aprender, na prática, a refinar fluxos de trabalho que beneficiarão não só Neon Blood, mas também projetos futuros.”
Dar Vida ao Mundo de Viridis
No coração de Neon Blood está Viridis, uma cidade cyberpunk que encarna tanto a beleza quanto a decadência. Inspirado por clássicos como Blade Runner, Akira e Ghost in the Shell, bem como histórias de detetives dos anos cinquenta, o jogo combina a estética vibrante do néon com a narrativa sombria do noir.
“Queríamos criar um mundo que parecesse vivo,” explica Daniel. “Viridis é uma cidade de contrastes. As suas ruas iluminadas por néon captam a nossa atenção, mas, sob a superfície, reina a sujidade, a pobreza e a corrupção.”
Os visuais do jogo são um destaque, combinando arte detalhada em 2D com ambientes em 3D. “Cada um de nós tem um aspeto favorito,” partilha Daniel. “Para o Roi, são as animações; para o Alex, são os cenários 3D e a iluminação; para mim, é a narrativa. Juntos, estes elementos criam um mundo de que nos orgulhamos imenso.”
A narrativa mergulha profundamente em temas como poder, resistência e identidade, com Axel McCoin, o protagonista detetive, no centro da história. “Queremos que os jogadores se sintam como detetives,” diz Daniel. “Que mergulhem na história de Axel e nos segredos de Viridis, enquanto questionam as escolhas que fazem.”
Novidade Indie, Aspeto Clássico; Fazer Chegar Neon Blood aos Jogadores
Alcançar o público é, muitas vezes, um dos maiores desafios para os produtores de videojogos independentes, mas os visuais marcantes e a história envolvente de Neon Blood tornaram-se os seus maiores trunfos.
“No início, pensávamos que o nosso público seriam jovens jogadores que adoram jogos indie,” recorda Daniel. “Mas nos eventos, percebemos que jogadores mais velhos também eram atraídos pelo jogo, especialmente pela arte em píxel, que os fazia lembrar de títulos clássicos.”
Com a ajuda da Meridiem, a ChaoticBrain Studios ampliou o seu alcance, garantindo que Neon Blood encontrasse jogadores em todo o mundo. “As pessoas são atraídas pelos visuais e ficam pela história,” diz Daniel. “Tem sido incrível ver o nosso trabalho ressoar com um público tão diverso.”
As Reflexões e Emoções do Lançamento
Uma semana após o lançamento de Neon Blood, decidi revisitar a equipa para compreender as emoções que vivenciaram ao ver o labor das suas vidas transformado em realidade e disponível nas lojas digitais. A equipa da ChaoticBrain Studios ainda está a assimilar toda a experiência. Para Daniel, o momento é marcado por uma mistura de orgulho, alívio e entusiasmo pelo que está por vir.
“Depois de anos a trabalhar no mesmo projeto, as dúvidas são inevitáveis,” admite. “Poderia ter sido melhor? Claro, mas isso não invalida o que alcançámos. Ver os jogadores desfrutarem de Neon Blood tem sido a nossa maior recompensa.”
Enquanto a ChaoticBrain Studios olha para o futuro, carrega consigo as lições aprendidas no seu projeto de estreia. “Isto foi uma jornada de fazer, refazer e aprender,” diz Daniel. “O melhor conselho que podemos dar é planear minuciosamente durante a pré-produção e ter tenacidade. Encarem os fracassos como oportunidades de aprendizagem — não só no desenvolvimento de jogos, mas também na vida.”, disse-me Daniel quando o questionei nos conselhos que poderia dar a outros jovens produtores de videojogos.
Neon Blood é mais do que um jogo; é um testemunho da resiliência e criatividade de três amigos que transformaram o caos em arte. Como Daniel descreve, “Esta é a nossa carta de amor ao meio, a nossa forma de dizer: ‘Estamos aqui, e isto é apenas o começo.’”
Informações adicionais de Neon Blood:
Site oficial | Steam | Nintendo | PlayStation | Xbox
Leituras
A quantidade de conteúdos escritos tem sido escassa devido à época natalícia, mas como o período laboral (e escolar) regressou, esta semana que começa voltará ao normal.
É difícil perceber o que vai na cabeça de um fã de simuladores. Não haverá, certamente, nada mais estranho, principalmente para quem não joga videojogos, do que alguém que, depois de um extenuante dia de trabalho, chega a casa, se senta na sua cadeira mais confortável, e decide jogar algo que simula, bem, mais trabalho. - Henrique Adão sobre Farming Simulator 25, Meus Jogos
Aqui, é crucial abordar o elefante na sala: a suposta “falta de beleza” tão proclamada nos comentários online. É fascinante - e revelador- como a beleza se torna um campo de batalha ideológico, quando é, por definição, profundamente subjetiva. - “Além das guerras culturais: reflexões sobre identidade e resistência nos videojogos” por Francisco Silva, IGN Portugal
Dizer que os jogos Portal da Valve foram uma forte inspiração para este projeto é ser gentil. Sente-se bastante na matriz de Chrono essa essência. Certo que aqui não se trata de abrir portais e brincar à volta dessa temática, mas apesar de as mecânicas serem diferentes, a sensação geral que se tira da interação com este jogo acaba muito por ser a mesma. - Gonçalo Martins sobre Chrono, Meus Jogos
Para ouvir
Vou admiti-lo, tenho ouvido poucos podcasts. As férias tiram-me o tempo disponível que tenho para ouvi-los e o facto de ter perdido os meus auscultadores também não ajuda a poder ouvir os debates dos meus apresentadores favoritos. O que vale é que, muitos deles, estão de férias. Quando regressar à minha rotina habitual quero ver se este podcast é bom, pois é gravado por um dos colaboradores do GameForces. Pode ser que seja único e genuinamente interessante como o próprio site.
Vejam isto
Se quero ver bons vídeos sobre Monster Hunter, Dark Souls ou um RPG de ação basta-me ir ao canal de Rurikhan. No canal deste youtuber português, que cria conteúdos em inglês, sei que vou encontrar reflexões profundas sobre os jogos que aborda e como Path of Exile 2 foi lançado há pouco tempo achei que seria um bom vídeo para vos recomendar, não me enganei.