#090 Artesanato da Diversão, Mindcop
Entrevistei Andre Gareis, produtor de um jogo de mistério com um detetive praticante de surf, nas mentes dos seus suspeitos.
Seis anos. Este foi o tempo que Andre Gareis passou a construir cuidadosamente o seu jogo indie de mistério e investigação, Mindcop. Um jogo que ousa misturar a investigação tradicional com uma reviravolta surreal e intrigante - mergulhar, literalmente, nas mentes dos suspeitos. Durante a nossa conversa, percebi rapidamente que este jogo não é apenas sobre resolver mistérios, mas também sobre a própria história de Andre.
“O desenvolvimento de jogos sempre foi uma paixão minha”, começa Andre, com uma voz que sinto ser firme nas palavras que escreveu, mas tingida de nostalgia. “Quando era criança, desenhava níveis para os jogos de Game Boy que jogava, e na adolescência comecei a criar os meus próprios jogos no RPG Maker.”
As sementes de Mindcop foram plantadas cedo, mas foi apenas em 2010, durante a primeira vaga de jogos indie nas consolas, que Andre percebeu que aquele passatempo de infância poderia ser uma carreira real. “Demorei um pouco a aceitar que isso não era apenas um hobby ou um sonho distante, mas algo que eu realmente podia seguir e no qual podia ter sucesso.”
Desenvolver um jogo sozinho não é tarefa fácil, e a jornada de seis anos de Andre não foi isenta de dificuldades. Quando lhe perguntei sobre os desafios de trabalhar sozinho, gostava de ter visto a sua reação pessoalmente, porque senti como se me tivesse sorrido com alguma resignação, como se visse o seu semblante a expressar uma mistura de orgulho e de cansaço.
“Uma das lições mais importantes que aprendi foi sobre gerir a escala do projeto”, admite. “As game jams podem dar-te uma falsa noção de escala - se consigo fazer tanto num fim de semana, como pode levar anos a criar um jogo completo? Por outro lado, se soubesse que ia demorar seis anos, talvez nem tivesse começado.”
O peso desses anos não passa despercebido. No início, Andre não tinha um plano detalhado, e cada ano parecia que podia ser o último. “Trabalhar sozinho num projeto durante tanto tempo obriga-te a encontrar estratégias para te manteres motivado”, confessa. Uma dessas estratégias foi “racionar” as tarefas que ele mais gostava de fazer. “Criar um plano sólido nem sempre é divertido, então tentei distribuir as tarefas de que gostava ao longo do tempo, mesmo que isso significasse fazer coisas fora de ordem.”
Se o processo de desenvolvimento pode ser bastante exaustivo, a ideia de fazer marketing parece ainda mais assustadora. Andre admite que, até recentemente, fazia apenas o mínimo, o que fosse realmente indispensável.
“Antes de me associar à Dear Villagers, fazia apenas o essencial em termos de marketing, sabendo que ia investir mais tempo e energia à medida que a data de lançamento se aproximasse”, explica. A honestidade de Andre é refrescante, um contraste claro com as narrativas muitas vezes polidas de sucesso de jogos indie notáveis. “Agora que tenho uma editora, fico mais do que feliz em deixá-los tratar do marketing. Eles consultam-me sempre, mas confio sempre que sabem o que fazem.”
Andre admite que não tem perfil para grandes ações na área do marketing. “Sinceramente, acho que teria sido demasiado cauteloso para fazer marketing de forma eficaz por conta própria. Muitas vezes, o marketing exige uma abordagem ousada, e isso não é o meu forte.”
O ponto alto da nossa conversa, no entanto, foi o próprio Mindcop - teria de ser, dado que este é o propósito desta rubrica. O gancho único do jogo - um detetive que mergulha nas mentes dos suspeitos - despertou a minha curiosidade. De onde veio esta ideia? Andre Gareis não tardou a responder.
“A ideia de entrar na mente dos suspeitos surgiu nos primeiros conceitos de design do jogo”, explica Andre. “Inicialmente, queria incluir um mini-jogo de match-3 para desbloquear algo em cada personagem e descobrir uma verdade oculta pareceu encaixar naturalmente para um jogo de detetive.”
Este produtor alemão também salientou que, embora o conceito não seja inteiramente novo, não foi diretamente inspirado por nenhum jogo ou filme específico. Em vez disso, cresceu de forma orgânica. “Foi cedo, percebi que o ‘mundo da mente’ era uma ótima oportunidade para adicionar um pouco de espetáculo a um jogo que, de outra forma, seria mais lento. Também se tornou uma forma de apresentar informações de forma vaga e, por vezes, confusa, o que se encaixa perfeitamente no tom geral do jogo.”
Um dos elementos mais surpreendentes de Mindcop é o seu mini-jogo de match-3. À primeira vista, parece fora de contexto num jogo de detetive, mas Andre insiste que isso é intencional.
“O mini-jogo de match-3 faz parte do design do jogo desde o início”, diz. Em vez de tentar integrá-lo perfeitamente na narrativa, Andre optou por acentuar o contraste. “O objetivo é criar uma mudança de ritmo. A música é pirosa, as cores são vibrantes e as regras são, propositadamente, uma patetice. Foi também por isso que adicionei um temporizador - serve para ser um contraponto leve e divertido ao trabalho de investigação mais sério no resto do jogo.”
Este choque de tons, acredita Andre Gareis, enriquece a experiência geral. “Num mistério, se queres que o público tenha uma hipótese justa de o resolver, introduzir elementos sobrenaturais com regras pouco claras pode ser contraproducente”, explica. Portanto, os elementos do ‘mundo da mente’ e a investigação principal são mantidos separados, oferecendo aos jogadores uma pausa no árduo trabalho de dedução lógica.
À medida que as minhas perguntas se iam aproximando do limite que imponho a mim próprio para não incomodar demasiado o meu entrevistado, fiz mais umas sobre o futuro de Mindcop. Haverá planos para expansões ou atualizações? Ao escrever a sua resposta para me enviar, abanou a cabeça, certamente.
“Não tenho planos concretos para o que vem a seguir, e isso é intencional”, admite. “Fazer planos demasiado cedo pode ser arriscado - começas a pensar demasiado num potencial projeto futuro e, antes que dês por isso, estás tão entusiasmado que és tentado a abandonar o trabalho atual só para começar algo novo.”
Por enquanto, Andre Gareis parece satisfeito em deixar que Mindcop encontre o seu público - que já está disponível desde dia 14 de Novembro para PS5, Steam e Switch. A sua esperança é que os jogadores se conectem com as peculiaridades do jogo e que ele consiga encontrar o seu espaço no mercado indie.
A jornada de Andre Gareis com Mindcop é um testemunho de paciência, paixão e perseverança. É a história de um artista que aprendeu a confiar nos seus instintos, a enfrentar desafios e a manter-se motivado contra todas as adversidades.
Enquanto as respostas às minhas perguntas chegavam ao fim, Andre deixou-me com uma última reflexão: “Trabalhar sozinho durante tanto tempo foi difícil, mas também foi incrivelmente gratificante. Só espero que os jogadores se divirtam tanto com o jogo quanto eu me diverti a fazê-lo.”
Com a sua mistura única de puzzles alucinantes e uma narrativa envolvente, Mindcop parece destinado a conquistar os corações dos jogadores.
Para encerrar esta entrevista deixo um sentido agradecimento a Jesús Fabre, especialista em Marketing e Consultor de negócios para jogos independentes, visto que foi graças a ele que esta entrevista foi possível.
Informações adicionais de Mindcop:
Site oficial | Steam | Nintendo | PlayStation
Leituras
Mais uma semana, mais um bom conjunto de análises e um bom artigo que destaco no fim desta lista.
Elderborn é um jogo agressivo e é interessante ver como todos os seus sistemas alimenta essa agressividade. - João Canelo sobre Elderborn, Echo Boomer
Ao contrário do Sonic Generations, sente-se com o Shadow uma fluidez eloquente, enquanto este corre e desliza a toda a velocidade. Isto porque, nos níveis do Sonic, sentia, sobretudo, que cada vez que íamos a todo o sabor do vento, a Sonic Team fazia-nos travar e quebrar o ritmo com obstáculos de inverter a marcha. - Joana Sousa sobre Sonic X Shadow Generations, Squared Potato
A banda-sonora de Neva é um fio condutor da narrativa. Num jogo sem diálogos e com poucas expressões sonoras por parte dos personagens, é a música composta pela banda Berlinist, de Barcelona, que nos guia emocionalmente através de momentos-chave da épica jornada de Alba e do seu lobito Neva. - Filipe Branco sobre Neva, Café Mais Geek
É inegável que à primeira vista o jogo impressiona pela sua excelente direcção de arte, criando um mundo sombrio e interessante com animações manuais que abraçam a estética de Hollow Knight em cada traço. Porém, infelizmente, este óbvio brilho visual não é suficiente para esconder as suas falhas mais profundas. - Ricardo Correia sobre Voidwrought, Rubber Chicken
New World: Aeternum é isso mesmo, um corpo funcional, e talvez a versão que deveria ter sido lançada desde o início. - Marco Almeida sobre New World: Aeternum, Café Mais Geek
Mas a forma com que conta história e a estrutura do jogo não foram os únicos elementos sofríveis na minha aventura por Thedas. A progressão de personagens, as suas habilidades e a gestão de inventário também se revelaram barreiras irritantes. - David Fialho sobre Dragon Age: The Veilguard, Future Behind
Foi a sua paixão que o Telmo tinha pela consola, tal como as dezenas (ou centenas) de jogos marcantes que levaram ao aparecer do Meus Jogos, algo que para mim, tem uma imensidão de memórias associadas. Memórias estas ainda bem vivas na minha cabeça e, talvez, o motivo por demorar uma semana a trazer este artigo cá para fora, entre apertados nós na garganta, peso no peito, ao lembrar das imensas conversas sobre os jogos lançados e aqueles que viriam a seguir. Seria ingrato não marcar esta data com um artigo, trazendo com ele as várias das memórias que esta consola nos proporcionou. - “20 Anos da Nintendo DS” por Nuno Mendes, Meus Jogos
Para ouvir
Simon Parkin conversou com Andy McNamara no seu podcast, portanto tinha de partilhar este episódio. Porquê? Porquê são só duas das pessoas que mais respeito no jornalismo e crítica dos videojogos. Vale muito a pena ouvir o antigo Editor-in-Chief da Game Informer.
Vejam isto
Passados tantos anos, tanta tinta que correu, tantas teclas que foram batidas para a produção de ensaios sobre Metal Gear Solid e a própria carreira do seu autor, em vez de já estar cheio de consumir este tipo de conteúdo, continuo a ficar fascinado. Fiquem com este excelente trabalho no canal da Second Wind.