#074 Escrever sobre videojogos, por Pedro Marques dos Santos
"Não seria honesto se pintasse um futuro risonho a quem pretende fazer da escrita sobre videojogos a sua principal atividade ou carreira. Esse mercado pura e simplesmente não é viável em terras lusas"
[Não posso dizer que não tenho saudades do tempo em que escrevia para o VideoGamer Portugal com Pedro Martins e Pedro Marques dos Santos, assim como alguns autores pontuais como Marco Gomes, entre outros que entraram e saíram. Tenho saudades daqueles quase dez anos, do que significaram para mim - de um tempo em que ainda tinha uma certa liberdade financeira e tempo muito tempo para jogar tudo e mais alguma coisa. Foi aí que evoluí muito enquanto escritor, foi aí que me cruzei com os maiores desta atividade que é escrever sobre Crítica Cultural, foi aí que conheci o Pedro Marques dos Santos um dos maiores críticos no auge da versão portuguesa do site britânico. Agora é jornalista no Record, onde escreve sobre futebol, adora ténis e, tal como éramos os três do VideoGamer, um grande portista. Assim como muitos outros que passaram por aqui, acho que tem uma boa contribuição e perspectiva sobre o que é escrever sobre videojogos.]
Porque os ‘maus’ hábitos custam a perder, é com uma boa dose de nostalgia e de forma algo enferrujada que me encontro aqui, neste espaço semanalmente alimentado pelas palavras e dedicação do Filipe, meu colega de batalhas passadas a quem agradeço o convite, para voltar a escrever sobre videojogos. Afinal de contas, já lá vão praticamente três voltas ao sol desde que o deixei de o fazer - descansa em paz, VideoGamer Portugal - e parti para outra realidade, não porque a paixão pelo meio de entretenimento tenha desaparecido, mas porque as exigências da vida a isso obrigaram.
Nessa ótica, este texto será guiado precisamente por essa perspetiva, pelos olhos de quem já se afastou, mas que por aqui encontrou, talvez pela via menos óbvia, um amor pela escrita, essa arte que nos deixa tantas vezes especados em frente ao teclado à procura da conjugação certa de palavras para transformar em algo tangível as ideias presas no cérebro e que tanto custam articular. Ao contrário dos convidados que me antecederam nesta rubrica, escrever sobre videojogos já não faz parte do meu quotidiano ou rotina, contudo, o seu impacto permanece bem presente.
Agora como jornalista, na verdadeira aceção da palavra e não como tão facilmente é apropriado esse termo por quem se dedica à cobertura da mais lucrativa indústria de entretenimento, a escrita continua a dominar o meu dia a dia. O tema pode ser outro, mas o agora quase trintão que escreve estas linhas não estaria aqui sem o miúdo que, ainda no secundário, começou a publicar na Internet análises a videojogos como forma de dar outra expressão à sua paixão pelo meio.
Por tudo aquilo que esses anos me deram, pelo crescimento e oportunidades que me proporcionaram, seria de uma hipocrisia e sobranceria imensurável da minha parte estar a desvalorizar o esforço e trabalho de todos aqueles que, num país como Portugal, continuam a remar contra a maré e a tentar oferecer conteúdo diferenciado e de qualidade sobre algo que ainda me diz tanto.
No entanto, também não seria honesto se pintasse um futuro risonho a quem pretende fazer da escrita sobre videojogos a sua principal atividade ou carreira. Esse mercado pura e simplesmente não é viável em terras lusas. Desde logo porque, em todas as frentes, a escrita vai perdendo terreno para o audiovisual enquanto forma preferencial de consumo de conteúdo. Depois, porque o apoio não existe para que se torne economicamente viável. E finalmente porque a competição é gigantesca. Qual é a procura de conteúdo na língua portuguesa, quando quase todos os que acompanham a indústria têm um entendimento básico do inglês para irem diretos à fonte da informação e à concorrência internacional com acessos facilitados e muitos mais recursos?
Não tenho por isso palavras de otimismo para vos oferecer, apenas de admiração pelo trabalho que alguns continuam a tentar desenvolver. Infelizmente, tudo o que já mencionei levou-me a procurar um caminho alternativo, que por consequência me obrigou a desligar um pouco do conteúdo produzido sobre videojogos. Não me entendam mal, contudo. Continuo a jogar um par de horas quase todos os dias, assim o horário laboral o permita, mas estou fora do circo mediático que rodeia a indústria e não posso dizer que sinta falta dele.
Talvez seja a idade ou porventura apenas o cansaço da correria dos dias que se vão sucedendo em catadupa, mas a minha capacidade para me entusiasmar com os anúncios e as extensas demonstrações de jogabilidade típicas desta época do ano, que parece ter substituído a E3 por um período ainda mais longo de permanentes ‘conferências’, é cada vez menor. Não tenho saudades nenhumas dos dias horríveis de cobertura desse evento, mas mesmo agora, estando de fora, a energia para seguir as apresentações é inexistente. Isto não é um apontar do dedo aos jogos em si, muitos dos quais irei certamente experimentar a dada altura, trata-se apenas de um constatar que tudo o que rodeia a indústria se tornou, de certa forma, extraterrestre para mim. Vou jogar Assassin’s Creed Shadows? Claro, mas isso não impediu que não tenha sequer conseguido ver até ao fim dos 20 minutos que a Ubisoft mostrou recentemente.
Mas porque foi pela paixão por videojogos que fui convidado a participar neste espaço, acabemos então numa nota pessoal mais positiva. O tempo para jogar pode ter sido reduzido para o mínimo dos mínimos desde que me afastei do meio, todavia, há algo de incrivelmente libertador no facto de não estar pressionado a manter-me atualizado sobre os jogos mais recentes, de poder jogar apenas aquilo que quero e como quero – um bem-haja aos modos de dificuldade -, de poder desligar e não olhar para trás quando percebo que algo não é para mim, de jogar ao meu ritmo e, finalmente, conseguir desligar aquela parte crítica do meu cérebro que sempre procurava as imperfeições antes de escrever uma análise.
No fundo, e roubando a expressão à área sobre a qual escrevo agora, de jogar o jogo pelo jogo, apreciar a obra por aquilo que é, pelo que de melhor tem para oferecer, sem estar demasiado preocupado com o que funciona menos bem. São poucos os títulos que jogo no lançamento atualmente, pelo que o único exemplo que tenho para dar é o de Senua’s Saga: Hellblade 2. Gostei bastante do primeiro e posso dizer que não fiquei, de todo, desapontando com a sequela. O que me fez gostar do original continua presente em força no segundo, mas percebo porque é divisivo. Contudo, para mim, é exatamente aquilo que precisava de ser, nem mais nem menos. Tem um desequilíbrio enorme entre exploração e combate? Sim. Há pontos da narrativa que levantam dúvidas? Também. Isso teve impacto negativo no meu tempo com o jogo? Não. Perfeito, então. Venha o próximo.
Leituras
Acho que valeu a pena o José Castanheira ter desafiado a IGN Portugal a falar sobre Exophobia, o resultado foi uma excelente entrevista realizada por Pedro Pestana. Há aqui mais alguns bons textos que destaco, nomeadamente análises, como o faço todas as semanas.
Todos estes momentos de negociações centrais ao jogo dão-se com o equilíbrio entre abordagens mais “frias” e calculistas ou mais generosas e altruístas para com o restante elenco de NPCs do jogo. E é precisamente aqui que encontramos a mensagem central de Fireside: de que o valor das coisas é altamente subjectivo e depende das perspectivas individuais de cada pessoa, e aqui, de cada personagem. - Ricardo Correia sobre Fireside, Rubber Chicken
olhar para The Final Shape é um olhar auto crítico da Bungie a uma viagem que nem sempre correu bem, mas que por essa mesma razão acaba da melhor maneira possível. É tudo aquilo que o Destiny deveria ter sido, tudo aquilo que os seus jogadores queriam que fosse e que agora o é. É facilmente a melhor expansão que esta franquia teve até à data porque abraça a complexidade de uma década de lore e entrega a sua conclusão ao jogador com uma simplicidade que só está ao alcance dos melhores contadores de história. - Gonçalo Martins sobre Destiny 2 - The Final Shape, Meus Jogos
É curioso como passam de um simples jogo de plataformas para uma aventura deste calibre repleta de charme e de, muito importante, humor; trocadilhos; quebras da quarta parede, etc. Nota-se mesmo que a equipa de localização também se divertiu a brincar, enquanto também fez justiça ao passado dos companheiros de Mario. - André Pereira sobre Paper Mario: The Thousand-Year Door, Echo Boomer
É interessante perceber que o enredo vai evoluindo de uma forma bastante gradual e a par e passo com a jogabilidade, criando aqui um interesse ao jogador em avançar na história e perceber o quão diferente pode ser a próxima missão, seja usando novos heróis ou descobrindo a nova trama nos espera. - Filipe Martins sobre Capes, GameForces
“E acaba por ser divertido em pequenas doses, que é exatamente o que eu queria com este jogo, conseguires pegar nisto e sentir aquele feeling de arcade e divertires–te.“ - "De um Game Jam para o mundo: o ataque retro do Exophobia" por Pedro Pestana, IGN Portugal
Para ouvir
Simon Parkin foi e continua a ser um dos meus jornalistas de videojogos que mais admiro e, obviamente, sigo religiosamente o seu excelente podcast My Perfect Console. Desta vez temos uma entrevista muito interessante a Eric Barone, criador de Stardew Valley. É tão bom ler e, neste caso, ouvir, a origem humilde de videojogos independentes. Esta é só mais uma razão pela qual vou continuar com o Artesanato da Diversão.
Vejam isto
A nota 7/10 numa análise ou avaliação de videojogos é o equivalente a um 14 numa avaliação de um exame no Ensino Secundário ou no Ensino Superior. Acho muito curioso quando (já há alguns anos) se desvaloriza algo que é igual ou abaixo de 7, existe sempre algo que foi bem feito, caso contrário a nota teria que ser ajustada para estar abaixo de 5. Enfim, é bom vídeo que deviam ver.