#067 Artesanato da Diversão, ARC SEED
Entrevistei Gonçalo Monteiro, produtor e proprietário da Massive Galaxy Studios.
Antes de viajar para outras terras, nesta série de entrevistas, ainda decidi ficar por cá e trazer-vos a história de Gonçalo Monteiro. É muito provável que já conheçam este produtor de videojogos, pois ARC SEED (site oficial) não é o seu primeiro videojogo. Na Steam, a maior loja digital de videojogos para PC, já publicou, através da sua produtora Massive Galaxy Studios, For The Warp e LakeSide. ARC SEED será o próximo jogo a ser lançado na plataforma da Valve e acho intrigante o facto de ser diferente dos outros títulos que já produziu, quem o viu pela primeira vez pensa logo no grande indie que é Into the Breach - o próprio admite que é uma das suas grandes inspirações. Obviamente, como começo com todos os meus convidados desta série, Artesanato da Diversão, quis recuar no tempo e saber o que move Gonçalo Monteiro a criar videojogos, onde é que foi buscar a energia, a motivação e o desejo para criá-los.
“Isto remonta à minha infância, quando o ZX Spectrum e o PC dominavam o mercado e lia revistas como a Micromania, onde por vezes mostravam guias dos jogos, com níveis inteiros que ocupavam várias páginas da revista. Isso gerou um interesse enorme, entre mim e os meus amigos, de criar videojogos mas em papel, desenhando os vários níveis, personagens e até mesmo UI. Durante muitos anos tive este interesse em criar jogos imaginários no papel chegando mesmo ao ponto de desenhar consolas imaginárias, desde o design da consola, comandos, especificações dos CPUS e quantas cores podiam usar no ecrã simultaneamente, etc.
“Criar e programar jogos começou dessa forma, no papel, como também programar jogos simples em BASIC. Sempre estive interessado em desenvolver jogos, mas só nos últimos anos é que as condições estavam criadas para eu próprio tentar criar e publicar jogos nas plataformas. Por isso, jogos que gosto de desenvolver geralmente misturam alguns dos géneros ou mecânicas antigas, com um visual retro estilizado, mas usando plataformas mais modernas nos indie games.”
Sobre esta sua terceira empreitada digital, Gonçalo ainda acrescentou o que representa ARC SEED na sua carreira enquanto profissional na indústria dos videojogos: “Este vai ser o meu 3º jogo comercial a ser lançado, por isso diria que uma parte importante do desafio já ficou para trás, agora que já tenho conhecimento e know-how do que é necessário para produzir, promover e publicar um jogo nas plataformas digitais. O maior desafio para este título foi tentar passar uma visão do jogo para algo concreto, ter o artista certo e o design apropriado para que o jogo ganhasse vida”.
ARC SEED será o terceiro jogo comercial de Gonçalo Monteiro, no entanto é completamente diferente do que fez até agora. For the Warp é um card battler roguelike; LakeSide é um gestor de cidades que envolve estratégia por parte de quem joga; ARC SEED será um jogo de estratégia com mechs e deckbuilding. Apesar de algumas semelhanças que tem com For the Warp (ficção-científica, combate por turnos e a utilização de cartas para várias ações) fiquei curioso em saber os motivos que o levaram a avançar para este projeto que será lançado no Steam Early Access.
“Sempre tive vontade de criar um jogo táctico scifi com mechs e achei que o género de deckbuilding poderia adaptar-se bem aos jogos tácticos e é algo que ainda vi poucos jogos usarem. Também existem enormes influências do animé de séries japonesas como Evangelion ou Gundam, por isso também foi um desafio criar pequenas cutscenes em pixel art que ilustrassem a ação que se passa no jogo”, começou Gonçalo a responder-me numa troca de e-mails.
O que nos influencia e nos motiva na vida podem ser momentos marcantes proporcionados por algum tipo de experiência cultural. No caso de Gonçalo Monteiro, para criar ARC SEED foi o animé, como já mencionado, assim como outros jogos considerados hoje grandes clássicos. XCOM foi um jogo onde Gonçalo Monteiro foi buscar também inspiração para ARC SEED, incluindo uma das suas mecânicas que proporciona uma combinação de situações que podem criar mecânicas de jogo muito curiosas.
“Um dos meus jogos favoritos é o XCOM original, um jogo tático de combate onde também é possível destruir parte do cenário. Neste caso mudamos para um cenário onde controlamos robôs gigantes e o cenário destrutível são edifícios numa cidade. Geralmente neste tipo de cenários, onde robôs gigantes lutam contra monstros, grande parte da cidade é destruída, mas de alguma maneira parece nunca ser dada muita importância às vítimas de quem está na cidade. No ARC SEED existe uma mecânica de evacuação na qual temos de dar tempo suficiente às pessoas para saírem dos edifícios e existe consequências se no combate deitarmos abaixo edifícios que ainda não foram completamente evacuados.”
Mas o quê que torna ARC SEED único quando este é inspirado em Into the Breach e XCOM. Gonçalo Monteiro responde que o “interesse de misturar o género de deckbuilding é que permite que estas habilidades mudam conforme a composição do deck e adicionar novas mecânicas através da combinação de várias cartas torna o género mais interessante do que somente um conjunto de habilidades fixas”, difícil de argumentar contra esta lógica, o seu terceiro trabalho a ser publicado na Steam será certamente muito curioso de acompanhar. Então, Gonçalo descreve assim ARC SEED: “É um jogo táctico no qual controlas mechs gigantes e tens de proteger uma cidade, na qual existem consequências se no processo destróis alguns edifícios, e se ainda estão habitados ou não”. Impossível não se ficar estimulado em carregar imediatamente no botão de “adicionar à wishlist” com esta descrição.
Por muito que alguém, ou uma equipa, tenha muita experiência no seu ofício não quer dizer que não tenha de suplantar algumas dificuldades. Curiosamente, a dificuldade de Gonçalo e dos seus colaboradores está mais relacionada com a realização da arte escolhida para o jogo, esta será idealizada em pixel art e com um estilo que replica os desenhos animados japoneses nos quais se inspira. Uma das grandes vantagens do Steam Early Access é haver jogadores dispostos a tornar uma experiência sólida até ao lançamento, que poderá colmatar a dificuldade de haver uma “quantidade de testing e feedback” necessários para garantir um jogo tecnicamente bem polido, assim ARC SEED poderá sair da fase Early Access como um “jogo que é sólido, divertido e livre de bugs”.
“Apesar de já termos bastante experiência em jogos com pixel art ou jogos roguelike de deckbuilding, o desafio aqui foi fazer uma grande quantidade de edifícios em perspectiva isométrica para podermos criar vários tipos de cidades no jogo. Quanto às cutscenes, são animadas e com resolução bastante alta para pixel art, o que implica um maior desafio para o artista, naquilo que acaba por ser um trabalho de animação equivalente a fazer um pequeno episódio de animé, mas no qual é preciso dar atenção a cada píxel.” Gonçalo Monteiro ainda acrescentou uma afirmação muito curiosa com a qual concordo plenamente: “Saber acabar o desenvolvimento de um jogo é uma arte em si”.
Ser inspirado num outro jogo não implica que se consiga capitalizar no sucesso de outro, Gonçalo Monteiro deixou isso bem claro: “Into the Breach é uma das inspirações principais, com o mesmo conjunto de géneros, mas sem o elemento de puzzle que o Into the Breach apresentava, com um gameplay que acaba por ser completamente distinto, o que pode não ajudar assim tanto na promoção”. O produtor e dono da Massive Galaxy Studios, portanto, está bem consciente da dificuldade que será promover ARC SEED com a enorme quantidade de títulos que são lançados semanalmente em todas as plataformas, sobretudo a loja da Valve.
“Com o elevado número de lançamentos de jogos no Steam é sempre um desafio ficarmos destacados, mas o facto do jogo ter um elemento visual diferente, isométrico de pixel art, ajuda a destacar-se de outros jogos de 'turn based tactics'. A promoção também é um processo longo que pode demorar anos, na qual temos de submeter o jogo para vários eventos, enviar keys para youtubers e outros streamers e os posts habituais e regulares nas redes sociais. Tudo com o objectivo de conseguir acumular o maior número possível de wishlists. É um trabalho que acaba por ser bastante diferente da criação do jogo em si, mas que é indispensável se queremos ter viabilidade comercial.”
Qual é o futuro do projeto de Gonçalo e da sua própria empresa? É uma questão pertinente tendo em conta a dificuldade que é em ser-se produtor de videojogos independente. Uma parte da questão já estava respondida, tendo em conta que este jogo será lançado como acesso antecipado na loja digital da empresa liderada por Gabe Newell.
“O ARC SEED vai sair no Steam em Early Access este verão, o que significa que vai ser um produto ainda com conteúdo por fazer, e que nos próximos 6 meses está planeado ainda mais conteúdo e features para o jogo. Receber feedback dos jogadores nesta fase é muito importante. Também fazer ports para as consolas será algo que está nos planos, talvez no próximo ano.
“Quanto a novos projetos, tenho sempre 2 ou 3 ideias para os próximos jogos, não podemos parar se queremos sobreviver na indústria.”
Como é apanágio desta rubrica mensal, em que entrevisto um produtor de videojogos, perguntei ao Gonçalo Monteiro que conselhos daria aos novatos desta indústria e aos que querem trabalhar nela mas ainda estão com dúvidas em dar o primeiro passo.
“Comecem por projetos pequenos, como game jams ou jogos que não demorem mais de um mês a serem feitos. Publiquem o jogo em qualquer uma das plataformas gratuitas existentes e ganhem experiência dessa foram, passar várias vezes pelo processo de criação, divulgação e publicação de um jogo. Só com a experiencia podemos ter melhores hipóteses de conseguir lançar jogos comercialmente viáveis. Participar em eventos da indústria ou eventos das comunidades locais também são elementos importantes de aprendizagem.”, concluiu o produtor de ARC SEED.
Tal como qualquer outro projeto ainda em produção, é difícil saber como este irá determinar o nosso futuro. Tal como eu não sei até onde irei com esta newsletter, nem o próprio Gonçalo sabe o que lhe reserva o futuro com ARC SEED. Sinceramente, espero que as táticas que tem para o jogo consigam dar frutos e o sucesso que Gonçalo merece. Tal como o Sporting venceu o vigésimo-quarto campeonato, espero que Gonçalo vença com ARC SEED e seja o ponto de viragem que lhe permita materializar todos os projetos que tem em mente.
Leituras
Curiosamente, esta semana é “patrocinada” pela EA, com o seu programa EA Originals, dado que foi recentemente publicado Tales of Kenzera: Zau (apesar da produção de textos ser bem mais reduzida do que na semana anterior). Pelo que tenho lido, é pena que não seja tão bom quanto parece. Esta semana também destaquei um artigo do jornal PÚBLICO que foi entrevistar o criador de World of Horror e o artigo de Francisco Isaac que passou novamente pela obra-prima que é Super Mario 64.
Tales of Kenzera: Zau é desnecessariamente linear. O backtracking que o género nos costuma exigir para encontrarmos a progressão do jogo é aqui apenas uma vírgula opcional de elementos coleccionáveis. - Ricardo Correia sobre Tales of Kenzera: Zau, Rubber Chicken
Algo que também não ajuda são os atrasos excessivos nos ataques inimigos, no tempo que um inimigo começa a animação de um só ataque dá tempo para nos levantarmos, irmos ao Rossio beber um café, comprar o jornal, voltar a casa e se calhar ainda o inimigo está lá especado com a espada levantada no ar prestes a atacar, é ridículo o tempo de espera de certos ataques especialmente quando colocados no meio de um combo de vários golpes. - Diogo Arez sobre Rise of the Ronin, Fun Factor
O equilíbrio entre desafio e diversão é meticulosamente calculado, com picos de dificuldade habilmente equilibrados por momentos de triunfo e realização. Embora haja momentos de frustração, especialmente durante os confrontos mais intensos e alguns quebra-cabeças, a sensação de justiça no jogo nunca é comprometida. - Rui Gonçalves sobre Tales of Kenzera: ZAU, Salão de Jogos
Sim, não tem open-world; sim, não tem gráficos realistas ou completamente polidos; sim, tem uma jogabilidade que às vezes parece como pegar numa enguia completamente encharcada em gordura e vaselina; mas ainda assim é tão bom. - "Super Mario 64: um belo beliscão nostálgico" por Francisco Isaac, Rubber Chicken
Decidir fazer um jogo em estilo 1bit – cada píxel só pode ser preto ou branco – foi uma das razões que motivaram Pawel a usar o MS Paint. “A baixa resolução e usar padrões com dither [ruído visual] em vez de cores permitiram-me, como artista inexperiente, cometer alguns erros que acrescentaram algo ao aspecto onírico do jogo” (...). - "World of Horror é um videojogo de terror feito no MS Paint – por um dentista" por Fernando Costa, PÚBLICO
O paralelismo entre o progresso no jogo e no luto de Zau está estupendamente bem conseguido. - Filipe Castro Mesquita sobre Tales of Kenzera: Zau, GameForces
Para ouvir
Quando o tema é não resisto em partilhar o podcast que o aborda. Escrita, jornalismo e game design são dos meus temas favoritos e neste episódio do Multiplayer Rumble, do Café Mais Geek, Jorge Loureiro (ex-colaborador do Eurogamer Portugal) foi o convidado que foi falar do seu mais recente projeto, o Geekinout. Fiquem para ouvir estas duas horas de conversa que vale bem a pena.
Vejam isto
Ahoy, um dos meus youtubers favoritos, com uma voz incrível para narração, explora a categorização dos videojogos. É curioso pensar que quando DOOM foi lançado não foi designado de first person shooter, mais conhecidos pelo seu acrónimo FPS, mas por lightning-fast virtual reality adventure. Dado o seu sucesso, não faltaram outros que quiseram replicar a fórmula da id Software, que seriam apelidados pela crítica por Doom clones. Um bom vídeo para aprender sobre a evolução dos videojogos nos Estados Unidos, vejam.