#080 Roguelikes e a imprevisibilidade
Uma reflexão sobre uma característica dos videojogos homónima à minha vida.
Nem tudo corre como nós queremos. É uma realidade que devemos aceitar e adaptar-nos com o que temos. Por exemplo, hoje nem era para vos falar sobre esta circunstância imprevisível da vida, tinha traçado um plano de três artigos para um único jogo, mas primeiro tinha que publicar outro que ainda não foi publicado porque, como já é apanágio, atrasei-me. Porém, ainda bem que a imprevisibilidade é uma constante desde que me conheço. Em vez de escrever, era para jogar uma partida de Hades na Switch (ou várias, porque aquele jogo agarra-me bem), mas, incompreensivelmente, o botão R não funciona, talvez seja um sinal que a idade da reforma da minha Switch esteja a chegar.
Afinal joguei mais umas partidas de Hades. Lembrei-me que dá para trocar os botões dos controlos do jogo. Agora tenho de pressionar o analógico esquerdo para este assumir a função de interação para Zagreus poder avançar para diferentes locais da dunegon onde me encontro ou recolher as Boons para a minha Stygian Blade poder absorver as bênçãos de Deusa da sabedoria, Atena (sim, recomecei Hades).
É por isso que gosto de roguelikes, há um bom nível de imprevisibilidade que não deixa esmorecer a experiência. Claro, é uma chatice quando jogos deste género nos fazem perder vezes sem conta por haver um desequilíbrio enorme no game design dos inimigos e do combate. Pessoalmente, não tenho problemas com uma morte permanente que nos faz recomeçar tudo do zero, portanto acho The Binding of Isaac maravilhoso (um dos dois jogos que ainda tenho em formato físico e está assinado pelo autor). Mas é igualmente bom quando os dados da aleatoriedade jogam a nosso favor ou quando a nossa habilidade em combater melhora significativamente e conseguimos estar concentrados o suficiente para repelir qualquer adversidade que se cruze no nosso caminho. Isto não quer dizer que em jogos deste género, bem feitos, que estamos reféns da probabilidade de uma boa partida acontecer.
Agora pergunto-me, será que já houve alguém que tenha derrotado Hades à primeira tentativa. Ou seja, chegar ao último boss, depois de se passar por todas as dungeons do mundo dos mortos da mitologia grega, quando Zagreus decide por em marcha o seu ato de rebeldia, além de vencê-lo (uma pesquisa no YouTube deve retirar facilmente esta minha dúvida). Até mesmo em God Mode, no início, está-se em pé de igualdade com quem faz uma partida normal.
Se The Binding of Isaac foi o rastilho para a explosão de roguelikes (sem esquecer o excelente Spelunky), que se verificou posteriormente, Hades foi o pináculo do género - não encontrei nada que fosse melhor - talvez Hades II, mas duvido que algum dia vá poder confirmar esta possibilidade. Não sei o quê que o futuro me reserva, mas sei que já tenho um bom backlog de jogos para revisitar e outros para experimentar pela primeira vez, mesmo que mais antigos.
A imprevisibilidade, tanto nos jogos como na vida, é como um rio com um forte caudal: às vezes leva-nos a lugares inesperados e maravilhosos, outras vezes arrasta-nos para águas turbulentas. Em Hades, essa imprevisibilidade manifesta-se de diversas formas: nos inimigos que encontramos, nas bênçãos divinas que recebemos, e até mesmo nos eventos aleatórios que podem ocorrer durante uma run.
É interessante notar como a imprevisibilidade pode influenciar as nossas emoções, que por sua vez influenciam o nosso estado de espírito. Num determinado momento, estamos entusiasmados pela carnificina que provocamos ao longo do nosso caminho, no outro, somos consumidos pela frustração ao perdermos tudo num único golpe. Essa montanha-russa emocional é parte integrante da experiência de jogar Hades.
Mas o que torna a imprevisibilidade tão fascinante? Talvez seja a sensação de que estamos sempre a descobrir algo novo. A cada run, o jogo apresenta-nos um novo conjunto de desafios e oportunidades. Essa renovação constante de conteúdo mantém a experiência fresca e envolvente.
A imprevisibilidade não influencia apenas as nossas emoções, mas também estimula nossa criatividade. Quando somos confrontados com uma situação inesperada, somos forçados a pensar de forma diferente, a encontrar novas soluções. Em Hades (assim como em outros jogos deste género), isso traduz-se na descoberta de novas combinações de habilidades e itens, ou em encontrar trilhos alternativos para chegar ao objetivo. A criatividade é uma ferramenta essencial para lidar com a incerteza. Ao abraçar a imprevisibilidade, abrimos portas para novas possibilidades e experiências. É como um pintor que não sabe exatamente o que vai criar, mas que se permite ser guiado pela intuição e pela inspiração.
Quando não tenho mais nada a fazer e tenho tempo a mais para escrever, acabo por refletir bem sobre os temas que trago para aqui, aliás reflito bastante, agora a qualidade do resultado dos pensamentos passados para palavras já é outro juízo de valor que não faço. Nunca fui bom a fazer as autoavaliações na escola, hoje continuo a não ser especialista neste campo da autocrítica. Portanto, continuando o meu raciocínio sobre a imprevisibilidade, esta também nos leva a refletir sobre o significado da vida. Se tudo fosse previsível, perderia muito de seu encanto. A incerteza é o que nos mantém motivados, o que nos faz valorizar cada momento.
Em Hades, a busca incessante para escapar do submundo é uma metáfora para a jornada da vida? Muito possivelmente, porque a cada tentativa, Zagreus está mais perto de alcançar seu objetivo, mas também mais consciente da natureza imprevisível do que o rodeia. A morte é uma constante em Hades, mas também é uma oportunidade para recomeçar. E às inúmeras vezes que perco na obra-prima da Supergiant Games, sou um homem cheio de novas oportunidades. É pena que não tenha tantas para garantir um bom futuro financeiro.
A imprevisibilidade é uma força poderosa que molda as nossas vidas e experiências. Em Hades, manifesta-se com pompa e circunstância, para oferecer aos jogadores uma jornada épica e inesquecível. Ao abraçar a incerteza, podemos encontrar novas perspectivas, novas possibilidades e um significado mais profundo para as nossas vidas. Provavelmente, gosto tanto da imprevisibilidade nos videojogos que tenho uma doença com um tratamento como se fosse um "videojogo", a diabetes. Mas isto será, porventura, tema para outra altura.
Leituras
Ainda estou a recuperar alguns textos que li durante a minha pausa, acho que devem ser lidos, sobretudo porque encontrei novos autores a escrever videojogos.
Lá começamos nós nos Ford Fiestas ‘94 das naves, agarrando toda e qualquer recompensa, ao mesmo tempo que vamos aprendendo a imensa rede de sistemas políticos e económicos que governam o espaço. A personalização da nave é uma delícia para quem gosta de passar horas a rever todos os pormenores para desfilarmos em estilo pelos astros. - Matilde Silva sobre X4: Foundations, Squared Potato
Mas quando pegamos na bola para dar uma pancada / Começa a frustração / Feedback no comando é lento na reação / Bater na bola não é fluído, a ferros parece arrancada. - Paulo Tavares sobre Tiebreak, Future Behind
Entrar em Warhammer 40,000: Space Marine 2 foi emocionante. Mesmo que não seja a primeira vez que entro no universo Warhammer, agora pude sentir a energia crua, visceral e hiper-gótica da franquia, que transpira um ambiente opressivo e deprimente, numa guerra sem fim, 40 mil anos no futuro, onde ruínas, lendas e mitologias existem, teoricamente, não apenas num passado dos eventos do jogo, mas num futuro fictício relativo ao nosso presente. - David Fialho sobre Warhammer 40,000: Space Marine 2, Echo Boomer
A visão de cima para baixo, os arbustos que escondem moedas (neste caso lâmpadas luminosas), os ataques simples, as criaturinhas que povoam os caminhos que temos de trilhar - de facto, se não tivesse sido desenvolvido por adultos, arriscaria dizer que The Plucky Squire é obra de uma criança a quem pediram para imaginar a sua versão de The Legend of Zelda. - Pedro Pestana sobre The Plucky Squire, IGN Portugal
É um buffet de criatividade e de originalidade que nunca parou de me surpreender durante todo o tempo que passei com ele. Tem um encanto muito próprio que transcende até a badalada mecânica de passar de ambiente 2D para 3D que encantou o mundo em 2022, aquando da apresentação do seu primeiro trailer no Summer Game Fest desse ano. - Gonçalo Martins sobre The Plucky Squire - Meus Jogos
Para ouvir
O meu podcast favorito, no qual também contribuirei em breve quando regressar O Albergue dos Silêncios, teve recentemente um novo episódio do Pixel Hunters. Fiquei fascinado com o tema do episódio (vejam o título), assim como o seu conteúdo apresentado pelo trio de apresentadores. Fizeram com que tivesse saudades da minha adolescência.
Vejam isto
Um vídeo que adorei foi um partilhado por um canal de economia. Este faz um apanhado da história da LEGO, uma das empresas de brinquedos mais valiosas do mundo e tenta dar uma justificação aos preços tão elevados de alguns conjuntos LEGO.